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No dia da mulher, a luta pela educação

Norton Ribeiro. Professor de História do Colégio Estadual Rui Barbosa
Artigo escrito em março de 2016 no contexto da greve dos professores estaduais do Rio de Janeiro.

Oito de março. Talvez um dia qualquer ou, se quisermos, um dia para refletir. Entretanto, que esta seja uma reflexão sobre todos os dias anteriores até o oito de março do ano passado, sobre todos os anos e até mesmo séculos que se passaram, nos quais vimos a construção de um agente histórico, ou melhor, uma atriz da história: a mulher. De fato, essa construção jamais cessará, assim como não findarão os sonhos e os dias de luta para que o mundo reconheça as diferenças sim, mas sobretudo reconheça a força de cada passo na superação de si mesmo, na superação dos desvios criados pela sociedade.
Digo reflexão sobre outras épocas porque a tomada de posição deve ser constante. Poderia cair no “lugar comum” dizendo que o dia da mulher é todo dia e tal, como de fato são os outros dias: da consciência negra, do índio, do trabalho, etc. As datas podem ser criadas, inventadas, mas nossa postura e crítica a respeito daquilo que se comemora, ou não, não pode ter um horário para começar e, daqui a 24 horas, voltarmos à condição normal e esperarmos felizes, com o dever cumprido, o próximo ano. A crítica deve ser contínua, assim como são os problemas. São questões de longa duração na história com as quais convivemos e devemos aproveitar nosso sopro de vida para retirar um tijolo que seja, se o muro cair, melhor, e estaremos tentados a dizer que vivemos num importante momento histórico.
A construção da data comemorativa do dia da mulher não foi fácil de se realizar, assim como ainda não é a vida da mulher e de todos que com ela compartilham a luta diária da vida. Cercada de mitos e desconstruções históricas, o dia da mulher começou a ser debatido no início do século XX e foi celebrado em várias datas até que se chegasse no 8 de março. Para termos uma pequena idéia do surgimento da data, faremos um breve histórico: Muitos ainda acreditam que o dia da mulher tenha surgido após uma greve em 1857 em Nova Iorque, na qual 129 operárias teriam morrido tragicamente em um incêndio numa fábrica provocado pelos próprios patrões. A primeira menção a essa greve apareceu em um jornal Francês em 1955 e, nos anos 60, o movimento feminista levantou a bandeira reforçando o mito. Ocorre que, segundo a pesquisadora canadense Renée Côte, esta greve nunca existiu. Ela pesquisou em vários jornais dos EUA e Europa sem nunca encontrar nenhuma linha que noticiasse a tal greve. A origem do dia da mulher, portanto, ocorreu na Rússia revolucionária de 1917, quando operárias deixaram de trabalhar contrariando a recomendação de partidos e sindicatos, e saíram às ruas criando um estopim para a Revolução que se aproximava. Antes disso, porém, já havia uma intensa luta de mulheres na Europa e EUA reivindicando direitos iguais entre homens e mulheres, principalmente o direito de voto. O movimento na Rússia se iniciou em 23 de fevereiro, o que corresponde ao 8 de março do calendário ocidental.
Bem, há mais uma série de questões a serem discutidas sobre como o mito da greve de 1857 se consolidou e porque a luta das mulheres socialistas foi esquecida por muito tempo - afinal estávamos no período da Guerra Fria -, mas neste momento o que nos interessa é reconhecer que a luta das mulheres por melhores condições de trabalho no passado se completa com a luta que vivemos em nossa sociedade. Hoje, sem distinções de gênero, estamos sentindo a “precarização” de nossas condições de trabalho. O mais escandaloso ainda é saber que nosso trabalho é a educação pública voltada para milhões de jovens com os sonhos à flor da pele. Eles continuarão a sonhar, mas terão condições de realizá-los? Nós, professores, também continuaremos a sonhar, mas já aprendemos que a realização dos mesmos precisa de mobilização, de coragem e de luta. A educação, uma das poucas áreas profissionais composta na maioria por mulheres, está em greve. Apesar da batalha ser de todos, as mulheres estão exercendo seu papel de protagonista neste movimento que aspira pela manutenção de conquistas, pela garantia de uma educação ainda de qualidade, já que estamos chegando ao limite do mínimo que se possa oferecer. O movimento grevista fora deflagrado não sem a consciência de que algum prejuízo poderá causar, afinal lidamos com pessoas, entretanto, prejuízo maior seria deixar a condução da utopia; reconhecer o esfacelamento de nossa profissão sem nada fazer e, principalmente, apagar o desejo de mudança que vimos nascer em nossos próprios alunos apoiadores da greve.

Assim, o dia da mulher se encontrou com nosso movimento grevista. A luta daquelas tecelãs, das sufragistas ou simplesmente daquelas que discordaram de quaisquer desigualdades cuja carga sempre esteve mais pesada sobre a mulher, agora toma força por novos objetivos ainda que sustentado pelo ranço de antigos problemas. Trabalharemos para que a solução chegue o mais breve possível e para que os governos que agora estão reconheçam a educação como um bem durável e sustentável à sociedade. Viva às mulheres de luta, viva a educação de qualidade!!!

A TRADIÇÃO PETROPOLITANA NOS MOVIMENTOS SOCIAIS


Sim, meus amigos, Petrópolis tem tradição em movimentos sociais. O que temos visto em nosso país nos últimos dias é o reflexo de séculos de espoliação e traições sobre o povo. Não sabemos que rumo as coisas vão tomar, se as lideranças terão poder de negociação ou se as propostas serão aceitas. No entanto, as reivindicações estão sendo ouvidas, isto é certo. Estão na ordem do dia; é uma crise de estrutura do capitalismo; é uma crise política também. O modelo vigente vem cooptando os discursos de mudanças há décadas e o poder foi capaz de aniquilar a paixão pela transformação real. Grupos de interesse se formaram e “assaltaram” as necessidades públicas, mudando o conceito latino de Res Pública (coisa pública), para Res Privata. Não é um conflito de classes, mas um conflito de proporções mais amplas e complexas. A catarse se instalou na população da qual fazem parte o trabalhador, a classe média, o miserável, o pequeno empresário, os estudantes, ou seja, entre nós. Talvez a alta burguesia tenha interesse em ver o circo pegar fogo mesmo, para que estenda sua mão com migalhas a fim de levar a grande maioria ao paraíso por alguns momentos e conservar as estruturas que lhe mantém de pé. O sistema atual é assim mesmo; ele passa por crises temporárias, mas consegue encontrar brechas para se alavancar novamente até que um novo ciclo se complete e surja um novo desafio. Somente uma transformação no âmago pode dar conta de um novo paradigma, e não sei se isto vai acontecer. Entretanto, a verdade é que o doente está apresentando convulsões e sabe que ainda pode viver.



Em nossa cidade, o início dos movimentos sociais com maiores reflexos podem ser localizados já em fins do século XIX e início do século XX, quando dezenas de fábricas têxteis e as oficinas da Leopoldina Railway empregavam milhares de trabalhadores. Naquela época a exploração era intensa sobre a classe operária e os trabalhadores não tiveram alternativa a não ser se organizar e lutar. Formaram associações beneficentes que deram origem aos sindicatos; havia greves em várias ocasiões e com diversos grupos de trabalhadores, como a greve de menores na década de 1910 ou a greve de padeiros no mesmo período. Os trabalhadores da indústria têxtil se organizaram com mais força por conta do enorme contingente que existia na cidade desse grupo de operários. Na década de 1920 os ânimos foram se acirrando já que a classe operária no Rio, São Paulo e Petrópolis percebeu que era possível manter a luta por melhorias, devido à quase completa falta de legislação trabalhista e ao modelo agrário-exportador que já não dava mais conta da insatisfação das classes urbanas. Em Petrópolis, há depoimentos nos jornais da época confirmando que a polícia avançava sobre as manifestações montada sobre cavalos.



Com o governo Vargas, nos anos 30 e 40, a classe trabalhadora não se intimidou e manteve uma posição de lutas, embora Getúlio tentasse cooptá-la com a legislação trabalhista e oficialização dos sindicatos. São famosos os conflitos entre Aliancistas (ANL) e Integralistas no centro da cidade, quando os dois grupos chegaram às vias de fato num confronto na Rua João Pessoa, provocando a morte de um operário da Fábrica Dona Isabel, Leonardo Candú. Getúlio Vargas era freqüentador assíduo da cidade e do Palácio Rio Negro e por várias vezes era recebido por passeatas de dez mil pessoas que ia ao seu encontro na Av. Koeler. Mais do que vê-lo como “pai dos pobres”, os trabalhadores pressionavam pela sua atenção e reivindicações.


Na década de 1940, a constante crise de abastecimento de gêneros de primeira necessidade levou os operários protestarem pela subsistência onde os jornais estampavam manchetes classificando a paralisação de “Greve Monstro”. Os milhares de operários também gritavam contra o racionamento de energia que vinha prejudicando o trabalho, fazendo com que os vencimentos diminuíssem. Em meio a isto, estava também a crise da habitação. O movimento operário, contudo, prosseguia o ritmo de suas reivindicações, estando atento ao desenrolar de assuntos de seu interesse direto no âmbito do Legislativo, como o projeto de lei que tratava da aposentadoria. Com Vargas novamente no poder a partir de 1951 e o novo Congresso eleito, os trabalhadores viam a oportunidade de chegar a outras conquistas através daquele que ficara conhecido pela implantação das leis do trabalho. Desta vez, passou a fazer parte da pauta de reivindicações a luta pela aposentadoria dos industriários e demais trabalhadores com 35 anos de serviço. No entanto, o movimento operário petropolitano trouxe à tona a questão do benefício por tempo de serviço, pressionando o presidente pela aprovação do projeto de lei nº 918 que tratava da aposentadoria dos industriários. Dessa forma, tem início uma campanha dos trabalhadores da cidade para a conquista do benefício, algo que continuaria por toda a década. Segundo o jornal O Estado do Rio, periódico que circulava na cidade e dava grande visibilidade ao movimento na época, o movimento Pró-Aposentadoria teria se iniciado em Petrópolis alcançando demais confederações e sindicatos em nível nacional.

Em 1954, ocorreu em Petrópolis uma grande paralisação das fábricas seguida de passeata contra o aumento da passagem de ônibus (alguma coincidência?). Os vereadores autorizaram o reajuste e o movimento tomou as ruas com faixas e caixões simbolizando o enterro do legislativo que traíra a classe trabalhadora. Numa das faixas pode-se ler: “RENDEMOS HOMENAGENS AOS VEREADORES QUE VOTARAM CONTRA O NÃO AUMENTO DAS PASSAGENS”. O movimento conseguiu que o prefeito Cordolino José Ambrósio vetasse o aumento.

Se o leitor me permitir, daremos um salto de algumas décadas para que eu possa deixar meu depoimento sobre alguns movimentos dos quais pude participar em Petrópolis. Em 1989, sabemos que a campanha eleitoral fervilhava em todo país depois de três décadas sem voto direto para presidente. Houve uma ocasião em que os candidatos Fernando Collor, representante do grande capital e neoliberalismo, e Roberto Freire, representante da esquerda mais tradicional e histórica com o PCB, vieram à cidade no mesmo dia. Nós, estudantes do colégio D. Pedro II, juntamente com a população, fomos ao comício de Collor em frente ao Obelisco. Entretanto, o que se viu não foi aquela recepção acalorada que nosso jovem candidato estava acostumado a receber em muitas cidades do país, com seu discurso em prol dos “descamisados”. Collor foi vaiado quase o tempo todo, com direito a levar “ovada” e tudo. Olhei pro lado para uma senhora que o aplaudia, enquanto gritávamos palavras de ordem sufocando suas palavras e seu inflamado de falar. Depois de um tempo, a multidão que gritava começou a se deslocar em direção à praça Dom Pedro, sem saber muito bem o porque. Lá chegando, pudemos ver Roberto Freire rodeado por muitas pessoas que o seguiu até o Palácio Amarelo, esvaziando o comício de Collor. Freire subiu nas escadas e discursou no gogó mesmo, com a multidão em silêncio.

Em 1992 voltamos às ruas para o Impeachment de Collor. O movimento dos caras-pintadas tomou o Brasil, e críticas à parte, os estudantes e a população petropolitana mais uma vez se envolveu. Lembro-me de sair do colégio por volta das 18hs e entrar na passeata que circulou o centro da cidade e terminou na praça no início da rua Paulo Barbosa, onde cantamos o hino nacional.

Mais recentemente, em 2010, tivemos a greve dos professores da rede pública que parou a cidade em passeatas e assembléias com grande apoio popular. O movimento obteve conquistas importantes para a classe e teve repercussão nacional. A luta pressionou o governo municipal e não se deixou levar pela idéia de concessão de direitos, própria de governos populistas, demonstrando que o avanço partiu de dentro dos anseios do professores, sendo uma vitória da própria classe.

Petrópolis manteve, assim, sua tradição nos maiores movimentos do país, apesar de sua história oficial ainda não ter dado o devido espaço para ela em suas páginas.

Junho de 2013.



Qual foi a primeira cidade planejada?
março de 2013

Uma coisa importante acontece quando começamos a estudar mais profundamente nossa história: ficamos inquietos, muitas vezes indignados e outras vezes aliviados. São sentimentos próprios do ser humano que mexem com suas atitudes insufladas pela paixão. Nesta semana senti uma grande angústia em ler os comentários das pessoas a respeito da expulsão dos índios na Aldeia Maracanã (a propósito, nome que significa pássaro verde em tupi). Engraçado que não estava angustiado com a decisão do governo do Estado, pois já sabia que isto estava acontecendo há algum tempo, mas pelo fato das pessoas não conhecerem suas origens e sua cultura, algo que estava distorcendo seu próprio entendimento de mundo. Sei que há uma série de questões a serem discutidas a respeito desse fato, mas fiquei espantado com a reação dos leitores de um jornal da internet. Alguns disseram que os índios são sujos e atrasados, mas qual será a concepção de avanço? Do mesmo modo, aprendemos a tomar banho todos os dias com os índios; Outros disseram que precisamos de Ordem para o Progresso, mas quem causou toda desordem nas comunidades indígenas? Outros argumentaram que os índios não trabalhavam, mas que tipo de trabalho? O de acumular coisas, dinheiro? Os índios nunca entenderam isso com toda a natureza em suas mãos. Enfim, este artigo não é sobre os índios, foi só um desabafo.

No entanto, conhecer um pouco de quem somos nos ajuda entender nosso mundo e a nos indicar outros caminhos. A História é uma dimensão de tempo, espaço tendo o ser humano como protagonista. O conhecimento histórico é aquilo que produzimos a respeito dessa combinação e por isso, a História é tão intrigante. Tal conhecimento é extremamente subjetivo, embora seja feito com métodos científicos. É um conhecimento que tem escolhas e que tem influência do momento em que foi produzido, ou seja, o historiador faz a história de seu tempo.

Assim, depois desta pequena contextualização, o que gostaria de fazer nas próximas linhas é discutir a ideia de Petrópolis como Primeira Cidade Planejada do Brasil.

Sabemos que o Major Julio Frederico Koeler arrendou a fazenda do Córrego Seco e teve carta branca do Imperador D. Pedro II para organizar a ocupação do solo dando origem ao povoado que mais tarde se tornou Petrópolis. Koeler, então, foi incumbido de desenhar e construir o Palácio de Verão da Família Imperial, delimitar sua localização e irradiar a ocupação da região a partir daquele ponto central. Inovou ao planejar as construções de frente para os rios e as ruas ao longo do mesmo. A topografia em forma de vale fez com que ele não recomendasse a ocupação do alto dos morros, pois havia o risco de deslizamentos… teria sido ele vidente? Não, não. É engenharia.

Alguns autores consideram determinadas orientações em seu projeto que demonstram Petrópolis ter sido a primeira cidade planejada do Brasil. Por exemplo, de acordo com artigo da arquiteta Margarida Maria Mendes Pedroso: O plano Koeler previa a forma de ocupação e de uso do solo urbano. Locais como o da catedral e o do cemitério, já estavam pré-definidos. Existe uma divisão em prazos hierarquizados onde a importância dos lotes diminui à medida que se afastam do centro. Havia regras quanto à implantação das construções nos terrenos à semelhança de um atual código de obras. A preocupação com abastecimento e saneamento que a caracterizou desde seu início. O plano já nasce acompanhado de regulamentos quanto a seus foros, enfiteuse e laudêmio. (não entendo porque quase tudo isso tem sido desrespeitado, provocando uma tragédia atrás da outra, menos as instituições arcaicas da enfiteuse e laudêmio…).

Koeler está inserido num momento de racionalização do espaço urbano, principalmente na Europa, e isto fez com que ele apresentasse seu projeto desta forma. Do mesmo modo, quando elaborou seu plano de ocupação, Petrópolis ainda não existia enquanto cidade. Era um povoado no qual deveria ser construído um Palácio Imperial e uma colônia agrícola, nem mesmo chegou a passar pela categoria de Vila, tornando-se cidade em 29 de setembro de 1857. Koeler havia falecido em 1847, num acidente com arma de fogo em sua residência. Portanto, foi uma povoação planejada.

Entretanto, como a produção histórica é feita pelos homens, dela também podemos desconfiar. A atividade arquitetônica no Brasil colonial inicia-se a partir de 1530, impulsionada pela criação das Capitanias Hereditárias e a fundação das primeiras vilas. Mais tarde, em 1549, foi fundada a cidade de Salvador para ser a sedo do Governo-Geral. Na época, o arquiteto português, Luis Dias, desenhou a capital da colônia, incluindo o palácio do governador, igrejas e as primeiras ruas, largos e casas, além da indispensável fortificação ao redor do povoamento. Luis Dias elaborou um traçado geométrico para a organização da futura cidade, como podemos ver no mapa abaixo.

Mapa de Salvador 1631 – Teixeira Albernaz

Apesar de a planta original ter sido perdida, o mapa demonstra que Luis Dias havia feito um planejamento de acordo com que os renascentistas consideravam uma cidade ideal naquele período. Ainda hoje, a cidade de Salvador, na parte mais antiga, apresenta traçados retangulares, como um tabuleiro de xadrez, com suas quadras e praças. O mesmo acontece com o Rio de Janeiro onde temos a região da atual praça XV, principal pólo irradiador da ciade em direção ao interior. Era comum a colonização portuguesa elaborar planos de ocupação dessa forma: Uma praça, ancoradouro; a rua Direita (atual 1° de março) paralela ao cais; outras ruas menores que avançavam em direção ao “sertão” (ruas como da Assembleia, Buenos Aires, Ouvidor), no caso do Rio de Janeiro. As cidades coloniais do Brasil, portanto, tinham objetivos específicos: a da ocupação e exploração econômica do solo e, assim, precisavam de planejamento prévio para a construção dos fortes, igrejas, cemitérios e ruas.

A coroa portuguesa já há muito tempo utilizava os arquitetos e “engenheiros-militares” nas construções de suas fortificações na África e Oriente. Segundo Margarida Valla (1996), “a necessidade de um sistema administrativo que supervisionasse estas obras de fortificação e de urbanismo levou à criação de cargos preenchidos por técnicos que mais tarde, já no século XVII, se denominavam “engenheiros-militares”.” Tais engenheiros tinham uma posição elevada na colonização portuguesa já que eram necessários para a ordenação do espaço, definindo as ações da coroa nos territórios dominados. Muito desse conhecimento foi introduzido em Portugal por técnicos que se deslocavam da Itália, chamados pela coroa portuguesa na intenção de que desenhassem as fortalezas. Assim, o cargo de Engenheiro-Mor era de grande importância que tinha por função a direção de todas as obras gerais de fortificação de todo o território, em Portugal e nos diversos continentes. Esta política de construção de fortes irá aplicar-se também em toda a costa do Brasil a partir do início do século XVII e as cidades principais como Rio de Janeiro e Bahia tiveram projetos de fortificação. Como demonstra Margarida Valla (1996), “a continuação duma política urbanística, vai se desenvolver agora no Brasil, que será um campo de experimentação até o século XVIII. (…) Nas cidades reais fundadas pela coroa no Brasil, a tarefa da fundação e do seu traçado urbano e a sua administração ficaria diretamente ligada ao Governo-Geral. Salvador da Bahia irá ser a capital do Brasil e é Luis Dias nomeado em 1549 “Mestre da Fortaleza e Obras de Salvador”…”

Como pudemos observar, não só a construção de fortes eram obras dos engenheiros, mas também os projetos civis, religiosos e as obras públicas. Ao Governo-Geral, implantado no Brasil em 1548, também estava a tarefa de orientar o traçado urbano das vilas e cidades, trabalho delegado ao Engenheiro-mor. Com o passar do tempo, a partir do Século XVIII a intervenção dos engenheiros-militares incidiria no levantamento de inúmeras cidades, de acordo com a política de D. João V e seguida pelo Marquês de Pombal de delimitação e consolidação do território.

Para concluirmos, faremos uma comparação. Desde que Sérgio Buarque de Hollanda lançou seu livro Raízes do Brasil em 1936, o conhecimento histórico a respeito da organização e ocupação nas colônias portuguesas e espanholas tiveram como orientação o capítulo do mesmo livro intitulado o Semeador e o Ladrilhador. Neste, o autor diz que as cidades espanholas haviam sido organizadas segundo planejamentos urbanos definidos, como um tabuleiro, de forma mais racional. Já as cidades portuguesas haviam sido obra do acaso, mais orgânicas em sua formação, ou seja, espontâneas. Os portugueses seria semeadores, que jogam sementes ao vento, sem se preocuparem com grandes investimentos e uma colonização efetiva. Já os espanhóis seriam meticulosos ladrilhadores, ordenando sua colonização e suas cidades. Bem, essa já é uma discussão superada e sabemos que os portugueses efetuaram uma colonização de fato no território da América Portuguesa. Do mesmo modo, a crença de que as cidades brasileiras não foram planejadas deve-se ao restrito modo de como se entendo este planejamento. De acordo com o urbanista Flavio Ferreira (1996), “uma cidade é planejada somente quando seu plano é definido previamente em desenhos e textos, executados por profissionais, e construído por um poder formal…” e considera que nada se constrói sem que antes se imagine o que será construído. Assim, para que esta imaginação pudesse se tornar algo real, era preciso que se conhecesse a topografia da região, que se determinasse os padrões de localização das ruas e praças, e que se tivesse uma imagem prévia da cidade quando esta fosse ser construída. Para o autor, as cidades brasileiras são tão planejadas quanto as espanholas.
Portanto, termino com uma indagação: Petrópolis surgiu no século XIX, nossa herança cultural portuguesa já conhecia os grandes arquitetos do Renascimento que trouxeram seu conhecimento para as colônias, as primeiras vilas e cidades do Brasil surgiram em 1532, como podemos ainda sustentar a ideia de primeira cidade planejada do Brasil?

BIBLIOGRAFIA

Ferreira, Flávio. http://www.prourb.fau.ufrj.br/publica%E7%F5es/pub_semhist.htm
Hollanda, Sérgio Buarque de. RAÍZES DO BRASIL. José Olympio Ed. 1936.
Pedroso, Margarida Maria Mendes. PETRÓPOLIS: DE FAZENDA A NÚCLEO URBANO - A CIDADE IMPERIAL EM SUA FORMAÇÃO.
Valla, Margarida. O PAPEL DOS ARQUITECTOS E ENGENHEIROS-MILITARES NA TRANSMISSÃO DAS FORMAS URBANAS PORTUGUESAS. Comunicação apresentada no IV Congresso Luso-Afro-Brasileiro, Rio de Janeiro,1996.

Mulheres de Nossa História
março de 2013

As mulheres sempre tiveram relevância em toda história de Petrópolis, desde o período embrionário do surgimento de nossa cidade, quando esta era uma região de sesmaria e fazendas que davam abrigo e descanso aos viajantes, entre eles, o imperador D. Pedro I. Algumas alcançaram notoriedade ou seu nome marcado no tempo, mas todas são responsáveis pelo avanço de nossa sociedade.

Sabemos que com a descoberta do ouro em Minas Gerais, a variante do caminho novo tornou-se a principal rota entre o Rio de Janeiro e a região aurífera, a qual foi utilizada pelos tropeiros e a família real na época do Império. Assim, as mulheres começaram a se destacar no desenrolar de nossa história.

Podemos iniciar esta trajetória com D. Maria Amélia de Leuchtenberg (1812 – 1873), segunda esposa de D. Pedro I, que se encantou com a fazenda do Padre Correia, onde os filhos do imperador brincavam e os viajantes descansavam, e certamente influenciou a decisão de D. Pedro em propor a compra do local. Da mesma forma, o veraneio na fazenda também era desejado pelo imperador pois, por recomendações médicas, trazia constantemente sua filha, a princesa D. Paula (1823 – 1833), para respirar o ar puro e fresco da serra pretendendo aliviar seus problemas de saúde.

Bem, o imperador não conseguiu comprar a fazenda do Padre e então outra mulher muda o rumo da história. D. Arcangela Joaquina da Silva, irmã do Padre Correia e herdeira da fazenda, indicou outra propriedade a ser comprada pelo imperador, a Córrego Seco, local que seria herdado por D. Pedro II onde foi erguido o palácio imperial e posteriormente a cidade de Petrópolis.

Mais tarde, ainda no império, as algumas especificidades da colonização da região continuariam nas mãos de mulheres. A Imperatriz Teresa Cristina Maria de Bourbon (1822 – 1889), esposa de D. Pedro II e natural de Nápoles, é considerada a primeira italiana que aqui chegou. Logo a seguir, Petrópolis, desde 1845 até meados do século XX, foi privilegiada pela vinda de inúmeros italianos, que ajudaram a constituir nosso ambiente cultural e a própria cidade, envolvidos no mundo do trabalho e das artes.

Pelo final do século XIX, outra mulher continua a construir nossa história. Carolina Kremer, casada com o neto de Henrique Kremer, fundador da cervejaria Bohemia, passou a comandar a fábrica e deu grande impulso à sua produção e crescimento. Quando assumiu, Carolina não entendia muito bem dos negócios já que este não era um ambiente de mulheres, mas conseguiu um mestre cervejeiro suíço depois de colocar um anúncio em um jornal da comunidade alemã. Assim, Alberto Duringer e Carolina Kremer foram fundamentais para a expansão da empresa. Em sua homenagem, a Bohemia estampa a figura de Carolina em seu rótulo até hoje.

Caso a monarquia tivesse continuado, o país teria sua primeira mulher à frente do governo já no final do século XIX, por ocasião da morte de D. Pedro II em 1891. A Princesa Isabel (1846 – 1921) ficou muito conhecida na história por ter libertado os escravos em 13 de maio de 1888. Foi chamada de “A redentora”. Entretanto, seu ato não foi mais do que confirmar a tendência e a pressão abolicionista que o país vivia naquele momento. O movimento pelo fim da escravidão já vinha ocorrendo desde a primeira metade do XIX e, além disso, sabemos que os negros nunca aceitaram tal condição desde que aqui chegaram como cativos. Os verdadeiros responsáveis pela libertação foram os próprios escravos, que lutaram pela liberdade desde o início e de diversas formas. Mas, como a história oficial é escrita de outra forma – e que deve ser criticada – daremos um crédito à nossa princesa e a Petrópolis mesmo, porque as primeiras libertações aqui ocorreram em abril de 1888, no Palácio de Cristal. Documentos deixados pelo abolicionista André Rebouças nos confirmam esse fato, podendo ser lido em sua caderneta que “… no dia 4 de maio de 1888, almoçaram no Palácio Imperial 14 africanos fugidos das Fazendas circunvizinhas de Petrópolis”, sendo todo o esquema de promoção de fugas e alojamento de escravos montado pela própria Princesa Isabel.

Chegando ao século XX, destacamos Djanira da Motta e Silva (1914-1979). Foi uma Famosa pintora, desenhista e ilustradora brasileira que teve parte de sua história ligada a Petrópolis, quando aqui viveu os últimos anos de sua vida. Nascida em Avaré, interior de São Paulo, Djanira é neta de imigrantes austríacos e índios. Aos 23 anos realizou seus primeiros desenhos em Campos do Jordão, quando esteve internada por conta de uma tuberculose. Nos anos 40 mudou-se para o Rio onde pela primeira vez fez uma exposição individual na Associação Brasileira de Imprensa. Morou em Nova Iorque, onde conheceu grandes artistas como Fernand Léger, Joan Miró, Marc Chagall e Pieter Brueghel, por quem foi muito influenciada. Entre 1953 e 1954, viajou a estudo para a União Soviética, voltando ao Rio em seguida. Dos seus trabalhos, destacamos o mural Candomblé, feito para a casa de Jorge Amado, e o painel do nosso Liceu Municipal, que infelizmente vem sofrendo com a degradação.

Nair de Teffé era filha do Barão de Teffé. Nos seus primeiros anos de vida, até os 15 anos, residiu com os pais em Paris, Bruxelas, Nice, e, finalmente em 1905, retornou ao Rio de Janeiro. A menina teve educação e instrução esmerada nos melhores educandários do Exterior e do País. Nair era irrequieta, cantava, escrevia, poetava, caricaturava, aparecia com destaque e atenção nos salões de baile e artísticos, foi atriz de teatro e festejada cantora. Alcançou grande sucesso com suas caricaturas de personalidades sociais e políticas. Ficou nacionalmente famosa sob o codinome “Rian”, seu nome de batismo com as letras invertidas. No dia 8 de dezembro de 1914 casou com o Presidente da República, o Marechal Hermes da Fonseca, com bela festa no Palácio Rio Negro, tornando-se primeira dama do País aos 27 anos de idade. Quebrou protocolos e a sisudez dos corredores palacianos, levou música popular e teatro aos saraus do Catete e do Rio Negro. O título “Trem dos Maridos” foi uma referência criada por Nair de Teffé, em suas charges, para caracterizar os coches e nas primeiras décadas do século XX, ao cair da tarde à frente da estação onde as senhoras com seus mais modernos modelos desfilavam à espera de seus maridos que chegavam da Capital. Em Petrópolis, dedicou-se às letras, ingressando na Associação de Ciências e Letras em 1927, sendo eleita presidente no ano seguinte, 1928. Mais tarde residiu em Niterói, onde faleceu no exato dia em que completava 95 anos de idade: 10 de junho de 1981.

Magdalena Tagliaferro (1893 – 1986) nasceu em Petrópolis, onde começou a dedicar-e ao piano. Aos treze anos, ganhava o Primeiro Prêmio do Conservatório Nacional de Paris. Apresentava regularmente concertos na França e em outros países da Europa, além do Brasil e Estados Unidos. Foi professora em Paris, São Paulo e Rio de Janeiro. Recebeu vários prêmios e condecorações nacionais e internacionais. Em novembro 1928 gravou o primeiro disco e desenvolveu uma técnica de ensino muito particular e foi criadora do que hoje chamamos de Aula Pública, que visa à educação dos alunos e a formação do público. Seu nome brilha ao lado de artistas como Arthur Rubinstein, Vladimir Horowitz, Claudio Arrau, Antonieta Rudge, Guiomar Novais e Marguerite Long. Exímia intérprete, tornou-se uma referência interpretativa e foi um símbolo da arte de tocar piano, um talento exuberante. Desenvolveu uma brilhante carreira artística, sem nunca se esquecer de sua missão pedagógica. Segundo ela, não há gênio no mundo que resista à falta de estudo.

Jana Moroni (1948 – 1974) nasceu no Ceará e veio ainda criança para Petrópolis junto com sua família. Filha do famoso médico Girão Barroso, passou sua juventude na cidade e começou a estudar Biologia na UFRJ, quando se envolveu com o movimento de resistência à ditadura militar, chegando a entrar para a guerrilha do Araguaia nos anos 70. Foi militante do Partido Comunista do Brasil e, devido a seu envolvimento político, acabou sendo morta em 1974 na guerrilha do Araguaia. Dada como desaparecida política, já que nunca foi encontrada, há muitas versões sobre sua morte. Algumas dizem que foi alvejada pelo exército sem chance de se defender, outra diz que foi capturada e torturada e até há quem diga que teve seu corpo erguido pelos helicópteros dos militares.

Dona Pedentrina Fernandes, nascida em 18/10/1924, foi operária e lutou muito pela melhoria de vida dos trabalhadores petropolitanos. Até hoje se envolve com movimentos sociais da cidade, demonstrando a beleza de uma mulher guerreira. Já aos 11 anos de idade, trabalhava na fábrica Cometa do Meio da Serra, com o pai também envolvido na luta operária. Dona Pedentrina cresceu vendo a perseguição aos trabalhadores procurando ajudá-los de alguma forma:

"… a gente quando ia no mato levar comida às vezes a polícia vigiando a gente… ia com a gaiola de passarinho, botava a comida dentro, aí nós íamos levar comida pra eles… [operários envolvidos em greves e reuniões]."

Dona Pedentrina, inclusive, foi casada com o filho do gerente da Cometa, porém, esta posição não a afastou da luta operária. Conseguiu impor sua condição de mulher extremamente engajada por mudanças na vida operária, participando de várias greves, perseguições e ameaças. Sabia que estava no meio de mundos distintos e antagônicos e admitia: “… eu cortava uma volta porque ele era filho do gerente”.

Algumas vezes muito bravas, mas sempre carinhosas. Outras vezes indecisas, mas nunca inseguras. Várias vezes insistentes, mas nunca sem razão. Assim como essas mulheres famosas, nossas mulheres têm seu papel central no desenrolar de nossas vidas hoje e sempre. Sejam as mães, avós, tias, irmãs, esposas, amigas, o mundo deve a elas a condição de, a cada dia, se reinventar e tornar-se melhor. Parabéns pelo Dia Internacional da Mulher.


A Belle Époque do carnaval petropolitano
fevereiro de 2013

A virada do século XIX para o XX na maioria das grandes cidades brasileiras da época marcou de forma indelével seus habitantes de um modo especial. O crescimento urbano bem como o frenético contato com outras tradições culturais proporcionadas pelo aumento populacional, fizeram com que aquelas pessoas extrapolassem a sensação de modernidade. O Rio de Janeiro, em especial, capitaneava tal condição por inúmeras razões, mas entre elas, por ser a capital da República e por presenciar a enorme reforma urbana do prefeito Pereira Passos (1902-1906). Pelas ruas falava-se em “vertigem” na tentativa de explicar a sensação de rápida passagem do tempo.
Foi nesse contexto que surge o samba carioca. Na época, diversas tradições musicais estavam presentes na cidade do Rio de Janeiro como o lundú, maxixe, chorinho, valsa e tango, além do carnaval de rua, e seriam grandes influenciadores na formação do samba.
O Carnaval do final do séc. XIX concentrava, na rua do Ouvidor, o coração das comemorações. No alto das sacadas as famílias abastadas assistiam aos cortejos das sociedades carnavalescas, grupos de origem burguesa, que faziam crítica à sociedade e adotavam como lema o propósito de “civilizar” a plebe já que praticavam o verdadeiro cortejo como de Veneza ou Paris. Executavam marchas e óperas e pretendiam acabar com o entrudo, uma festa popular de origem portuguesa, além das brincadeiras de molhar, pintar o rosto e seguir o zé pereira, um personagem criado por um português bigodudo que circulava pelas ruas batendo seu tambor.
No clima de uma convivência tensa, o entrudo, as brincadeiras e o carnaval das sociedades burguesas dividiam o espaço público. Havia, dessa forma, uma convivência entre desiguais, algo que contribuiria decisivamente na formação do samba carioca. Apesar desa convivência, o carnaval ficou cada vez mais segregado com a profissionalização dos desfiles, a criação de regras e a aceleração do ritmo dando origem ao samba enredo. Alguns autores, como José Ramos Tinhorão, acreditam que tal segmentação do carnaval tenha acontecido ainda na virada do século XIX para o XX, quando surgiram os primeiros cordões e blocos nos quais os foliões deveriam seguir um grupo cercado por cordas, sob os olhos da polícia pronta a agir contra algum desavisado que por ventura viesse a atirar seus limõezinhos embebidos de urina em alguma donzela lindamente ornada com sua máscara veneziana. Para Tinhorão houve uma privatização do carnaval já nesta época, o que hoje chamamos de “Abadá”.

carnaval de 1933

Bem amigos, e o carnaval de Petrópolis? Sabemos que nossa cidade foi o refúgio da corte nos meses de verão durante o Império, prática que continuou pela República. Assim, os modismos e o ambiente cultural da capital eram trazidos pela elite marcando o cenário petropolitano. Aqui, entretanto, as festas de ruas carnavalescas, como ocorriam no Rio de Janeiro, levaram um certo tempo para se difundirem, por ser ainda uma pequena cidade em fins do século XIX e uma boa parte da população vinha de tradições germânicas ainda mantendo certas manifestações folclóricas em suas festividades. Por outro lado, os concorridos bailes de máscaras iam acontecendo aos poucos nos hotéis da cidade, como o Hotel Bragança. Há também registros de periódicos da época – como O Paraíba e O Mercantil - indicando que havia as famosas batalhas de limões de cera nas ruas no “famigerado” entrudo, reprimido pela polícia. A festa, então, era principalmente das elites veranistas nos salões de baile que viam com desprezo a aglomeração nas ruas da anárquica turba, que se enfrentava em batalhas de esguichos com água, baldes e tinas, molhando uns aos outros.
Outro embate podia ser notado nas ruas, como a “Batalha de Flores”. Segundo o professor Oazinguito Ferreira, esta batalha acontecia em frente ao Hotel Bragança (hoje UCP) e seguia até a praça da Liberdade com carruagens e cabriolets ornamentadas nas quais as famílias jogavam-se pétalas de rosas. Fotografias do século XIX comprovam esta prática e aqui fica uma questão: teria sido em Petrópolis a invenção dos famosos Corsos que desfilavam pelas ruas do Rio de Janeiro na belle époque carioca?
Já por volta dos anos 1920, o carnaval petropolitano mostrava suas próprias características com muitas batalhas de confetes, fantasias, lança-perfume e o tradicional corso da praça da Liberdade. Os choros (conjuntos regionais) entoavam as canções pelas ruas da cidade animando os que brincavam e aqueles que simplesmente assistiam. Algo que também marcou o carnaval da cidade foram as sociedades organizadas que saíam às ruas, como os Ranchos e os Índios. Nosso célebre maestro Guerra-Peixe nos conta sua impressão sobre os antigos grupos carnavalescos:

“Os Índios, que no meu tempo de menino me encantavam pelas vestimentas estupendamente coloridas, coreografia enérgica e movimentada e também ruidosa música vocal-percutiva, são grupos que a influência de veranistas, do famoso hotel à beira da Estrada Rio-Petrópolis, o rádio, etc., não conseguiram acabar. Não sei quantos grupos existiam antigamente, mas no carnaval de 1953 fui informado de que ainda subsistiam quatro. Todos eles com aquela curiosa mistura de gente branca [de origem ibérica, principalmente], preta, parda e os às vezes louros descendentes de alemães – estes, de fisionomia germanizada e, assim, metidos naqueles penachos de arara...

No carnaval de 1953 fui a um dos bairros visitar o Grêmio Carnavalesco Estrela do Morin, localizado onde indica a última palavra. Este grupo já existia pelo menos em 1906, quando se denominavam Grupo Carnavalesco Destemidos do Morin, e após diversas vezes mudar de direção e designativo, terminou com o atual nome, que vem desde 1946.”

Saudosismos a parte, esses talvez tenham sido os melhores carnavais da cidade, guardado nas lembranças dos que ainda vivem e se espantem com todo espetáculo proporcionado pelos tempos atuais. Quem sabe no futuro poderemos inverter tal situação, não copiando a beleza da história, mas nela se inspirando por algo novo. Antropologicamente falando, o carnaval representa exatamente o momento da inversão social sem que haja constrangimento, ou uma vingança festiva na qual o pobre se veste de rico, homem se ornamenta como mulher, a prostituta se torna a vedete, Deus e o Diabo partilham da mesma festa.


Reflexões sobre a cultura petropolitana
janeiro de 2013

Para podermos entender o fenômeno do embate cultural vivido na cidade de Petrópolis nos últimos meses, ou mesmo nos últimos cinco anos, o qual muito se tem notado desde as conversas de bares até as redes sociais virtuais, penso que seja necessário discutirmos algumas questões relevantes a fim de contextualizar o problema, contribuindo para que novos caminhos sejam apontados.

Em primeiro lugar, poderíamos dar início à nossa reflexão discutindo o conceito de Cultura:

Desde o início de nossa aventura no planeta através do tempo, quando os seres humanos construíram as primeiras sociedades, tivemos a produção tanto material quanto imaterial com as quais os homens deixaram marcas indeléveis em seus semelhantes e gerações futuras, a qual podemos chamar de Cultura. Ora, as formigas e as abelhas também vivem em sociedades bem organizadas respeitando uma hierarquia própria de sua natureza, mas nem por isso produzem cultura. Não são capazes de transmitir às próximas gerações os feitos e experiências que possam ser vistos como o entendimento de mundo daquela sociedade. Já o homem busca em sua vivência empírica explicações que satisfaçam suas indagações, bem como seu modo de ver o mundo. É uma relação dialética própria de cada sociedade, de sua vivência num dado momento histórico.

A própria noção do que é a cultura propriamente dita varia através do tempo e de cada grupo social. Assim, no século XIX, já foi bastante difundida a ideia de que esta estaria ligada às características que o homem tem enquanto membro de uma sociedade. Ou seja, este homem estaria preso à sua própria maneira de ver o mundo. Ele receberia toda carga cultural de gerações anteriores, mas que ficaria estática numa estante empoeirada de sua mente, a qual seria convencionado chamar História. Sua própria história de vida pareceria não ter uma ação independente dos grandes fatos históricos e o indivíduo estaria sujeito ao estabelecimento de leis e uma ordem social que conduziriam a sociedade.

Já numa perspectiva mais atual, o conceito de cultura muda radicalmente, pois privilegia o contato social entre grupos sociais distintos, deixando para trás a ideia de que existam manifestações puras desta ou daquela classe social. É também interessante notar que através do contato cultural entre diversos grupos sociais, surge a ideia de ressignificação cultural na qual privilegia-se o aspecto de constante transformação dos conceitos e da visão de mundo. Aqui, então, a cultura torna-se algo dinâmico que a todo o momento avalia a realidade e produz novas concepções desta mesma realidade cultural e moral. Assim, temos uma forma cultural que se situa em todos os lugares, que se utiliza da dominação imposta a ela para se recriar. E, a partir desta recriação constante é que podemos entender a capacidade de sua ação transformadora.

Em nível mais geral observamos que a discussão na questão cultural em Petrópolis tem a ver com uma política inspirada no populismo, anulando os efeitos de dominação que, segundo Pierre Bourdieu ,“…mostra que o povo nada tem a invejar aos burgueses em matéria de cultura e de distinção… num jogo em que os dominantes determinam a todo momento a regra do jogo (coroa, ganho eu; cara, você perde)… As próprias categorias (do Estado) empregadas para pensar a cultura, as questões que lhe são colocadas são inadequadas. O exemplo da língua popular: tanto ela quanto a ‘língua legítima’ só se definem por oposição… Aquilo que é chamado de ‘língua popular’ são modos de falar que, do ponto de vista da língua dominante, aparecem como naturais, selvagens, bárbaros, vulgares.”

A crise, portanto, é fruto de uma produção cultural racionalizada, expansionista, centralizada, barulhenta e espetacular voltada para o consumo que não se manifesta através de produtos próprios e sim através de modos de usar os produtos impostos pela ordem vigente.

Para uma real transformação da sociedade, é necessário que se pense numa política cultural voltada para a emancipação. Precisamos de uma política que vá investir, mas que encare as manifestações artísticas e culturais como processos de melhoria da qualidade de vida, que permita a cada indivíduo assumir seu papel na construção de sua História e que ele possa definir com o poder público seus canais de comunicação. Precisamos conceber a cultura não somente como algo a ser transformado em si mesmo, mas como algo que venha a mudar toda uma cadeia de relações aparentemente desconexas.

Assim, o projeto de um local privilegiado para o desenvolvimento de manifestações artísticas como sendo um debate principalmente político de cidadãos que pretendem deixar um legado para a própria cidade em termos de valorização e respeito aos artistas. Digo político por que um projeto como o Corredor Cultural conseguiu se tornar uma lei através de um movimento cuja pressão se fez sentir no poder público. Detestamos os políticos, mas não a política da qual somos parte em meio nossa polis. Evidentemente que a cultura nascente das ruas não tem hora nem lugar específico, mas em face de anos lutando contra interesses divergentes e o estigma de uma cidade pacata, levou as pessoas a pelo menos indagarem se desejam continuar do mesmo jeito ou não.

Não faz sentido que poder público apenas apresente as vias de acesso se o debate continuar à margem, este deve ser constante. Temos notado que a cultura, em seu aspecto mais geral, é também um caso de saúde pública, pois todos entenderão como acontece uma doença ao invés de saber como vão curá-la. É, do mesmo modo, um caso de segurança pública, pois a violência que assola o país não é somente fruto da pobreza e exclusão social, já que grupos de classe média alta, inspirados por uma mudança de comportamento que supervaloriza as formas do corpo e a força física como o prólogo de um diálogo, matam-se uns aos outros e a inocentes.

Portanto, ao novo governo arrisco-me a dizer que precisamos de uma política interdisciplinar (na falta de um termo melhor) que pense a sociedade na totalidade, como um processo… transformadora.

Norton Ribeiro é graduado e pós-graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor e músico.

O Outro Lado do Grito: Mitos sobre a Independência

setembro de 2012


Já é de algum tempo, principalmente neste período histórico de Brasil republicano, que comemoramos o 7 de setembro. O feriado nacional tem por característica os desfiles de escolas com suas bandas marciais e a exibição das forças armadas pelas ruas das cidades brasileiras, sendo o espetáculo maior ainda nas capitais do país. A data do rompimento político com Portugal obteve um grande peso histórico após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, já que, aos olhos do novo regime, era preciso se desvencilhar do período colonial, sinônimo de atraso e estagnação, representado pelo Velho Regime monárquico, apesar do Brasil já viver como país soberano politicamente. Era preciso criar novos símbolos e mitos para sustentar a nova fase do “Ordem e Progresso”, e assim foi com o 7 de setembro, com Tiradentes e a Inconfidência – um evento que nem chegou a acontecer e nem tem nada a ver com uma possível Independência do Brasil – além de outras datas. No período do governo militar pós 1964, as comemorações adquiriram maior intensidade agora com a exibição das forças armadas representantes da soberania e do orgulho pátrio.

A Independência se deu pelo desfecho da luta entre a classe dominante colonial contra as tentativas de recolonização da metrópole. Após o grito, no entanto, D. Pedro I sofreu resistência interna principalmente na Bahia e província do Grão-Pará que não queriam a separação. Embora estivesse surgindo uma nova nação, o sentimento de nacionalismo não existia e nem mesmo uma integração nacional. O Brasil tinha sua economia voltada principalmente para o exterior e menos para as províncias. Mesmo assim, era necessária a organização de um novo governo com a criação de ministérios, elaborar uma constituição e D. Pedro estaria garantido no posto de Imperador graças à defesa dos interesses dos grupos dominantes no processo de independência.

Com o passar do tempo, os acontecimentos históricos vão sendo recheados de glamour, privilegiando determinados fatos em detrimento de outros, ou esquecidos por não representarem relevância naquele momento histórico. O que quero dizer é que o tempo presente, as instituições de poder e os historiadores escolhem seus fatos a serem historicizados. Por isso, uma data especial como a Independência do Brasil, está envolta a vários mitos cristalizados com o tempo e a repetição, cabendo também ao historiador a entendê-los e romper tais conceitos eternizados por tradições inventadas. Buscaremos, então, entender alguns mitos sobre a Independência do Brasil.

1° – acredita-se que o Príncipe Regente D. João VI e a Família Real portuguesa tenham fugido às pressas das tropas de Napoleão, partindo para o Brasil onde chegaram em 1808. Embora tenha sido uma fuga, a idéia de transferência da corte portuguesa já era antiga na metrópole, apesar de não ter se transformado num projeto real antes de 1807. Historiadores acreditam que a idéia de “fuga” é uma visão muito pobre do acontecimento, pois o Brasil ocupava uma posição relevante para os domínios portugueses naquela época levando ao plano de criação de um Império luso-português. Além do mais, D. João sempre foi visto como um covarde bonachão, visão mais recentemente difundida pelo filme Carlota Joaquina, apesar de Napoleão ter escrito em seus diários: “Foi o único monarca europeu que me enganou”.

2° – Aprendemos que o sete de setembro sempre foi feriado, uma data importante no calendário nacional. Bem, o sete de setembro só se tornou efetivamente uma data nacional na segunda metade do século XIX, seguindo a tendência de consolidação de um Estado Nacional e de símbolos que pudessem fazer com que os brasileiros se reconhecessem enquanto comunidade. Segundo a prof. Lúcia Pereira das Neves, o único jornal na época que noticiou o “Grito do Ipiranga” foi O Espelho, que circulou entre 1821 e 1823. Podemos verificar em periódicos da época digitalizados pela Biblioteca Nacional que não havia menção à data. No entanto, havia outras comemorações consideradas mais importantes como o 12 de outubro (aclamação de D. Pedro como imperador e também seu aniversário); e o 1° de dezembro (coroação do Imperador).

3° – o quadro “Grito do Ipiranga”, de Pedro Américo, é a imagem clássica do ato da Independência. Essa é uma das grandes mentiras da História do Brasil, o quadro é somente uma idealização daquele momento. Pedro Américo finalizou a obra em 1888 e nunca soube realmente como foi a cena. Na verdade ele realçou a colina para dar destaque ao imperador e ao riacho Ipiranga; Incorporou, anacronicamente, a Guarda do Imperador, regimento criado tempos depois da Independência; todos estão montados em cavalos de raça Puro Sangue, mas A subida da serra entre Santos e São Paulo exigia o uso de mulas. O pintor colocou-os em cavalos de raça usados pela nobreza européia; Percebemos que um caipira que olha a cena, objetivando demonstrar que as decisões políticas cabiam às elites. A Casa do Grito foi incluída por Pedro Américo que só foi construída muito tempo depois da Independência, em 1860; Há uma composição geométrica da tela na qual todos os elementos do quadro convergem para um eixo central, ou seja, Pedro I. É a única figura estática do grupo, o que obriga o observador a dirigir-se para ele.

Assim, o mesmo ocorre com muitos outros acontecimentos históricos. Devemos sim comemorar o dia da Independência, mas também refletirmos que país queremos para nós e para outras gerações.




Breve História do Rock n' Roll em Petrópolis nos anos 90



julho de 2012



Hoje acordei normalmente, um pouco mais aliviado em virtude da aproximação do recesso de julho, um descanso, não é mesmo? Afinal, professores precisam dessa pausa. No mais, a mesma insônia de sempre… Bem, para continuar o dia fui ver as notícias na internet e já imaginava que muitos estariam comentando sobre o Dia Mundial do Rock e, apesar de nosso país e nossa cidade terem questões sérias para serem debatidas (não que o rock e a música sejam desnecessários), algumas atitudes acabam nos causando grandes problemas quando são deixadas de lado, como uma eleição, por exemplo. Entretanto, gostaria de deixar um registro sobre minhas memórias a respeito do que vi e vivi no microcosmo do rock n’ roll em nossa cidade, sobretudo nos anos 90.

Em 1991 comecei a aprender violão e, como quase todo adolescente, pretendia migrar para a guitarra, o que ocorreu rapidamente. Estudava no Colégio Estadual D. Pedro II e também, como quase todo adolescente, formei minha primeira banda de rock juntamente com os amigos Guido Martini, Rodrigo Xavier, Ricardo Emmel e Márcio Sátiro. Sabíamos muito pouco sobre os segredos musicais que, aliás, estudaremos para sempre, mas era uma grande diversão. Bem, mas minha intenção neste artigo é falar sobre as bandas e festivais da época e não minha biografia. Vamos a eles.
Minha primeira banda, a BADGE, 1992.


Na época ouvíamos basicamente rock americano e inglês, tínhamos certo preconceito com a música do Brasil, mesmo que fosse rock, no máximo um Barão Vermelho, um problema que foi acabando com o tempo. Porém, sabíamos que havia bandas importantes em Petrópolis como o Black Zé, a S.O.S., a Essfinge, o Marco Aureh, o Bira Rasta e queríamos nos integrar com o pessoal da música. Do nosso mundo rodeado por fitas cassete, capas e discos de vinil, passamos a frequentar espaços na cidade em que havia alguma música. Foi muito legal quando conheci a loja do Bill Valey, no Shopping Bauhaus, onde eu “babava” vendo as guitarras e os shows que rolavam à tarde. Na verdade, eram canjas e quem chegasse poderia tocar – claro que eu não me atrevia a entrar no meio do ninho de cobras, no bom sentido. No colégio, resolvemos nos meter em tudo que era projeto cultural para poder nos apresentar e ficamos bastante conhecidos em nosso mundo. Num desses shows, um desfile de moda na escola, tocamos junto com outra banda na qual estava o Ricardinho, hoje Rik Oliveira, da banda Tokaia, destruindo na guitarra, acho que com 12 anos. Embora iniciantes, fizemos sucesso com nossa galera. A banda chamava-se Badge, nome que escolhi ao ouvir uma música de Eric Clapton com mesmo título.

Depois disso, começamos a tocar em festinhas. Ensaiávamos mais do que tocávamos e gostávamos de ver outros músicos da cidade. Aos poucos, fui conhecendo amigos de outras bandas e entrando nesse mundo.


No ano de 1993, assisti no Centro de Cultura a um dos shows mais importantes e bem cuidados da época. Tratava-se do Blues Anthology, que continuava com o Rock Anthology. Fui com meu amigo Marcelo Buddy Guy e ficamos maravilhados no evento que contava a história do blues com suas músicas e performance teatral. A banda era composta de feras como Carlos Watkins, Carlos Lisboa,Cacá Beltrão, Cizo Cerqueira, dentre outros.

Em setembro de 1993, ocorreu um festival de bandas no Serrano F.C. que marcaria a todos tanto pela empolgação quanto pelos problemas enfrentados. As bandas que subiram a palco naquele sábado, dia 25, foram a Living Deadmen, Sexx Action, Leprechaun e Badge. Não lembro porque ficamos por último, mas comecei a perceber que muita coisa não ia bem. O tempo estava chuvoso, afastando o público, que basicamente eram nossos familiares. Precisávamos pagar o som, que foi cobrado em dólar, e lembro-me de correr pra pagar no dia determinado (senão seria outro preço – não existia plano Real, meus amigos), e o show só deu prejuízo. Como qualquer show de rock, tinha um pessoal muito louco na plateia que havia bebido muito e os diretores do clube estavam ficando estressados. Lembro-me do Alex Barizon dandomosh, aterrorizando as famílias que assistiam. Nós adorávamos. Não lembro muito bem do som da Living Deadmen; a Sexx Action tinha um som e visual poser, como chamávamos, maquiavam-se, faziam o cabelo, inspiravam-se na banda Poison; A Leprechaun estava fazendo uma mistura com o rap e hard core, bastante peso; a Badge era hard rock, éramos cover do Guns n’ Roses e muitos nos odiavam, mas neste dia tocamos Metalica e Deep Purple. No final, acenderam as luzes em nossa última música, o pessoal do Serrano queria expulsar todo mundo. Foi divertido.


Em 1994, outros espaços foram se abrindo para aquela juventude. Na Concha Acústica do Museu Imperial, ocorria a noite do artista petropolitano, na qual nós e muitos outros se apresentaram. Houve um show bem legal no colégio Opção do qual participamos com a Angel Heart, banda de Gustavo Monsanto. Ainda nesse ano, em novembro, houve a reinauguração do Teatro Municipal, sob a direção de Breno Moroni. Foi uma grande festa com música, teatro e poesia nas escadarias do teatro. No dia das bandas, houve uma tromba d’água um pouco antes e o palco estava molhado. O choque elétrico era inevitável, não podíamos encostar um no outro.

Em janeiro de 1995, outro festival agitou o rock n’ roll na cidade. No Teatro Santa Cecília encontraram-se as bandas: Black Daniels (Dudu King na guitarra); New Underground (a Lou Marques era chamada de Lu Janis), bom rock n’ roll setentista, influenciados por Janis Joplin, com Jaime Veinho no baixo, Rusnei Serra e Eduardo Barenco na guitarra e Fernando Barenco na batera; a Badge, de rock n’ roll e blues, mostrou uma composição própria. A banda tinha mudado bastante: Norton e Rodrigo nas guitarras, Guido nos vocais, Gustavo Lambert na bateria, Fabio Carvalho na gaita e Adriano Gouvêa no baixo; Montana Blues, uma banda que me influenciou muito – a primeira vez que os vi foi no Café Concerto, na Rua 16 de Março, com o Bruno Sutter nos vocais. O Pestana deu uma canja e fiquei louco, e no festival do Santa Cecília ele já tinha assumido com a Sandra Vila-Real os vocais; Stefani Araújo na guitarra, no baixo não lembro se era o Felipe Rangel, grande músico, ou Rodolfo Araújo, e na batera o Marquinho;Bang Bang Rock, era a mesma galera do Sexx Action, com Cris Sex nos vocais e nosso amigoMarcelo Werneck na bateria; Argus, banda nascida num bar da 16 de Março quando estávamos preparando esse festival. Tinha Bruno Sutter no vocal, Sami na guitarra e o Werneck na bateria. Era um rock bem pesado, os caras amavam Uriah Heep e Black Sabbath. Quando estávamos eu, Stefani e Bruno Sutter colando os cartazes para esse show dias antes de madrugada, lembro-me do Bruno dizendo “Detesto blues, eu quero ser o Ozzy”. Esse foi um evento melhor organizado, conseguimos patrocínio e tal e nem tivemos que pagar nada.

Vários bares começaram a apostar no rock n’ roll da cidade, como a Gutti Choperia, que todos adoravam; o Feitiço da Lua, que depois virou bar GLS; o Cet Bar, no condomínio Taquara; o Chopp 1 e o Rala-Rala, um trailer na subida do morro do Gulf que foi soterrado há alguns anos por uma barreira num dia de sol. Uma vez estávamos tocando Rolling Stones com canja de Cizo Cerqueira e o Werneck na batera até que os funkeiros começaram a jogar pedra no telhado de zinco. Achamos que era tiro e cada um deu um pulo pra um lado. Felizmente nada de grave aconteceu, somente as “pedras rolaram”.

No Monte Líbano, fizemos outro festival de bandas – na verdade uma temporada, chamada “Quinta é dia de Rock”. Pestana colocava fogo nos copinhos de plástico, ajoelhava como Jimi Hendrix e gritava “Fire, Fire”. Era o máximo!

Houve um show importante no Centro de Cultura, acredito que em 1996, comandado por Cizo Cerqueira: o Three Line Harp. Eram três gaitas que formavam acordes em arranjos formados por Cizinho. Havia uma banda de apoio e nas gaitas estavam o próprio Cizo, Marcelo Buddy Guy e Rodrigo Jaguaribe. A proposta foi bem interessante.


Em agosto de 1997, fizemos um show importante em nossa carreira, trazendo a proposta do acústico para a cidade. O show chamava-se Pelos Bares da Noite e mudamos o nome da banda para Velha Estação. Foi um repertório escolhido com carinho, com músicas de rock n’ roll nas quais o violão sobressaía, novos arranjos, com homenagens aos 20 anos sem Elvis Presley, 30 anos do Sgt. Peppers e 100 anos de Pixinguinha. Tocamos Carinhoso em blues. Tínhamos a Lu e a Glaucia Martins nos backing vocals eAndré Mendes no piano. O público não coube na sala Afonso Arinos.

Outro evento que reuniu uma galera da pesada – Rest in Peace, ACP, Velha Estação, Bandalheira -ocorreu no Mon Recoin e foi chamado de Manifestasom. Uma produção minha e de Arilson Ceschini que foi uma tentativa manifestar nossa arte e nos mantermos vivos, juntamente com o público, apesar das dificuldades.
No final dos anos 90, deixo um destaque para o bar do Dedinho, na João Xavier. Era o luar mais underground de Petrópolis e todo mundo adorava. O som começava no domingo, às 18hs, e não tinha hora pra acabar. Numa dessas noites, conheci o Fabiano Fiúza, um baterista nervoso que havia migrado do heavy metal, com quem dei uma canja. Nosso amigo Dedinho era uma figuraça que adorava rock n’ roll e nos recebia com grande entusiasmo. Estávamos realmente em casa. Chegamos a cogitar um grande festival, tipo Woodstock, no campo de futebol, mas não conseguíamos realizar todas as reuniões na segunda-feira na casa do Dedo, devido à ressaca do domingo.
Bem, amigos. Com certeza muita coisa ficou de fora deste artigo. Desculpem se esqueci alguém ou alguma situação, mas o fato é que Petrópolis tem muita gente boa tocando em vários estilos, compondo uma força que aumenta a cada fim de semana. Esta é uma pequena homenagem ao Dia Mundial do Rock.




Bohemia: Tradição, cultura e história

abril de 2012

No último dia 20 de abril, uma sexta feira à tarde, tive a oportunidade de conhecer as dependências da nova fábrica Bohemia, reinaugurada recentemente. Aliás, uma oportunidade para poucos já que as inscrições para a visitação estavam muito concorridas, mas o fato é que consegui conciliar um horário nessa vida corrida e adquirir o ingresso gratuito como morador da cidade. Em breve a fábrica abrirá novas chances de visitação e que serão cobradas, porém com um preço melhor para os residentes em Petrópolis. Entretanto, espero que isto não afaste os visitantes, pois vale muita a pena conhecer o belo trabalho de exposição sobre a história da cerveja, a trajetória da Bohemia, recheado de cultura e tecnologia, tão bem inserido na trajetória histórica da humanidade, desde o mundo antigo até os dias de hoje. Claro que uma exposição sobre um período histórico tão longo poderia suscitar muitas observações e, certamente, determinados fatos foram privilegiados, entretanto, o que nos interessa é saber como uma bebida, que se confunde com a história da humanidade, foi produzida ao longo dos séculos, que inovações tecnológicas de cada época foram necessárias para sua produção e quais impactos econômicos, sociais e culturais a cerveja provocou durante seus milênios de história. Além disso, passamos a conhecer de forma mais íntima a origem e a produção de outrora da cerveja mais antiga do Brasil, através dos objetos de seus funcionários ainda no século XIX, dos equipamentos da época, do cuidado com que a Bohemia era produzida.
A exposição nos conduz pela saga da cerveja na aventura humana sendo iniciada entre os povos mesopotâmicos, há cerca de 3000 a. C., quando agricultores deixaram os grãos de uma colheita sob a chuva e o sol, percebendo que a fermentação havia produzido um líquido com sabor especial, que os fazia se sentir bem. A mitologia também fez seu papel, elevando a cerveja como líquido dos deuses. Aparece, inclusive, no código de Hamurabi, um dos primeiros códigos de leis escritas da humanidade, onde vemos, dentre algumas, a seguinte inscrição: “se uma sacerdotisa, que não mora em um convento, abriu uma taberna ou entrou na taberna para beber cerveja, queimarão essa mulher”.
A bebida também foi apreciada entre os egípcios e romanos, sendo consumida por toda Idade Média, atravessou os oceanos durante o período das Grandes Navegações e dessa forma chegou à América. Tornou-se popular entre os operários na Europa pós-Revolução Industrial e atualmente vem sendo consumida em grande escala por todo mundo, com os mais diferentes paladares.
No Brasil, a cerveja passou a ser consumida ainda no período colonial e principalmente após a chegada de D. João VI e da família real em 1808. E Petrópolis se funde com a história da Bohemia a partir de 1853, quando um colono alemão chamado Henrique Kremer passou a produzir em escala industrial a cerveja no Brasil. Na época, Kremer adquiriu a Imperial Fábrica de Cerveja, nome que constava no primeiro rótulo, e depois se transformou na Cervejaria Bohemia com produção inicial de 6 mil garrafas por mês. A distribuição era feita por carros puxados por animais, charretes e carrinhos de mão, inicialmente, com vendas diretas e, mais tarde, por meio de pequenos revendedores de Petrópolis e região. Nesse período, Petrópolis ainda não havia se tornado cidade, o que veio a ocorrer em 1857, e a povoação se desenvolvia com o trabalho tanto dos colonos de origem germânica, quanto de pessoas que vinham de outras localidades e províncias, como a de Minas Gerais. A ideia de uma colônia agrícola, inicialmente pretendida por Júlio Koeler, não havia prosperado e os habitantes da cidade procuraram sobreviver do trabalho artesanal, da construção de estradas e casas e de pequenas indústrias de alimentos, entre as quais estavam aquelas comandadas pelos colonos. Assim, a produção de Kremer foi pouco a pouco conquistando consumidores, mantendo a tradição da cerveja germânica. No final do século XIX, Carolina Kremer, casado com o neto do fundador, passou a comandar a fábrica e deu grande impulso à sua produção e crescimento. Bem, quando assumiu, Carolina não entendia muito bem dos negócios já que este não era um ambiente de mulheres, mas conseguiu um mestre cervejeiro suíço depois de colocar um anuncio em um jornal da comunidade alemã. Assim, Alberto Duringer e Carolina Kremer foram fundamentais para a expansão da empresa. Em sua homenagem, a Bohemia estampa a figura de Carolina em seu rótulo até hoje.
A cerveja Bohemia continuou com sua qualidade sendo apreciada por décadas como uma das melhores cervejas do Brasil. Em 1998 a fábrica em Petrópolis foi fechada permanecendo assim até 2011. A reinauguração da fábrica na cidade e a referida exposição sobre a história da cerveja e de Bohemia é algo que certamente manterá o nome de Petrópolis marcado na História do Brasil.




FEB - Petrópolis

Durante a maior guerra produzida pela humanidade, milhões tombaram em nome de suas pátrias, mas também derramaram seu sangue e as lágrimas de suas famílias pelo desejo inescrupuloso ao poder de certos homens que comandaram a trajetória humana em determinado momento do século XX. Como certa vez disse o pintor espanhol Francisco de Goya, “Na guerra, quem perde é o homem”, e nada mais evidente para tentarmos compreender algo tão triste.
Contudo, inevitavelmente veio o conflito entre poderosas nações, capaz de envolver um sem número de muitos outros países, inclusive o Brasil. Em 1944 nosso país aliou-se às potências ditas democráticas na luta contra o grupo de nações totalitárias, adeptas do nazifascismo, participando efetivamente da II Grande Guerra Mundial. No mesmo momento foi criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB) da qual participaram 25.344 soldados, dentre os quais 204 petropolitanos, que partiram para a Europa a fim de lutar contra o exército de Adolf Hitler e ajudar a libertar a Itália.
Nossos combatentes tiveram atuação destacada, enviando um contigente de oficiais e praças, dentre os quais quatro heróis que tombaram em defesa da Liberdade e da Democracia. Além destes, tivemos também um integrante da Força Aérea Brasileira, morto em combate, sendo esses os cinco jovens petropolitanos: 1º Tenente Aviador João Mauricio Campos de Medeiros; 2º Sargento Fernando Fontes; 3º Sargento Francisco Roberto Boening; Cabo Justino José Ladeira e o Soldado Hyvio Domenico Naliato que tombou mortalmente em Monte Castelo.
O monumento erguido na praça dos expedicionários em 16 de março de 1947 é muito mais que uma homenagem àqueles que estiveram frente a frente com os infortúnios de uma guerra, mas também a lembrança de quão frágil é a humanidade e que nossa força pode se constituir não de armas, mas de ideias e realizações.
Discurso escrito para o então secretário de educação, Willian Campos, em comemoração ao 7 de setembro de 2011.


Petrópolis Operária e a presença italiana no início do século XX

A partir da segunda metade do século XIX, em meio à crise da continuidade em explorar a força de trabalho escrava, o governo imperial incentiva a entrada de estrangeiros como forma de tenta solucionar o problema da falta de mão de obra nas lavouras, especialmente de café. O governo da província de São Paulo passa a subvencionar a imigração, assim como os fazendeiros que custeiam a viagem e recebem os imigrantes na condição de colonos e força de trabalho livre, dos quais a imensa maioria de italianos. Pois são esses imigrantes, que já em fins do XIX e início do século XX, irão compor a classe operária nas grandes cidades, juntamente com trabalhadores de outras nacionalidades e os brasileiros (incluindo brancos pobres e negros libertos ou descendentes de escravos). Trata-se de uma classe bastante heterogênea num Brasil agro-exportador que vê a expansão das atividades industriais.
Nesse mesmo contexto, em 1873, o imperador autorizava o funcionamento da Cia. Petropolitana de Tecidos, indústria que atraiu grandes levas de trabalhadores imigrantes italianos àquele distrito, muitos oriundos de São Paulo, ocupando cerca de 1.100 operários, quase todos de nacionalidade italiana. Sendo assim, estes passaram a fazer parte do operariado da cidade e que anos depois estiveram presentes nas lutas dos trabalhadores da indústria têxtil.
Embora haja enormes lacunas historiográficas a respeito do movimento operário e suas lutas, a participação desses trabalhadores na construção da história de Petrópolis não deixa dúvidas quanto à relevância e presença marcante da classe trabalhadora no processo, o que vem a comprovar a ideia de uma cidade erguida com o suor e a força do homem comum, operário e também autor do seu próprio caminhar ao longo do tempo. Tanto é assim que, na década de 1940, o enorme contingente operário fez o prefeito Marcio Alves dizer que a cidade “chamada de imperial e aristocrática, na verdade é uma colmeia de trabalho” (Tribuna de Petrópolis, 28/03/1945).
Ao final dos anos vinte, Petrópolis já contava com um significativo parque industrial, voltado para a produção de tecidos, e alguma tradição com relação à organização de associações. Através dos diversos movimentos, fossem estes grevistas ou não, os operários lutavam em favor da melhoria dos salários e condições de trabalho. Neste momento de sua história, os trabalhadores, sobretudo da indústria têxtil, buscavam solucionar as questões salariais reunindo-se em “Uniões” operárias, sendo a “União dos Operários em Fábricas de Tecidos” uma das mais importantes.
As negociações envolvendo os operários organizados, e mesmo aqueles que não faziam parte das associações, os gerentes e a direção das fábricas eram sempre difíceis. A legislação trabalhista mostrava-se quase totalmente ausente e os operários careciam de instrumentos legais que pudessem dar-lhes algum respaldo. Do mesmo modo, no momento em que uma greve ou paralisação da fábrica por um dia fosse decretada, era comum a polícia entrar em prontidão, mandando, inclusive, policiais a cavalo até a porta das fábricas para observar a movimentação. Ainda assim, reforços poderiam vir de Niterói, então capital do Estado, e até mesmo do Exército, ficando o 1° BC atento aos acontecimentos na cidade. Em artigo expressivo publicado pelo Jornal de Cascatinha em 1929, uma colunista sob o nome de Sylvia Rabello, fala do direito de greve dos operários de Cascatinha que foram maltratados devido ao movimento e que a polícia ofereceu-lhes as “patas de cavalo” como resposta (Jornal de Cascatinha, 3/03/1929).
Segundo o depoimento de Dona Pedentrina Fernandes, nascida em 18/10/1924 e já aos 11 anos de idade trabalhava na fábrica Cometa do Meio da Serra, podemos ter uma ideia dos conflitos entre a polícia e os trabalhadores:
... antigamente não tinha sindicato... tinha algumas pessoas [que] lutavam pela carteira profissional, lei de férias, lei de aposentadoria, essas coisas todas. E quando eles lutavam... eles iam pra dentro do mato em 1º de maio, 7 de setembro então já tinha uma lista das pessoas que lutavam por essas leis, a polícia aparecia lá batia, batia, quebrava até os dentes! Muitos sumiram, tenho alguns amigos que sumiram.
Da mesma forma, as negociações por aumentos salariais demandavam habilidade política dos sindicatos e de seus advogados. Como ainda não havia os dissídios coletivos por reajuste, os representantes conversavam diretamente com os diretores das fábricas e, com alguma insistência, conseguiam aumento. Os índices também variavam muito e, na maioria dos casos, eram decididos pelos empregadores. Portanto, eram negociações diretas e sem mediação de qualquer Justiça do Trabalho e do governo.
A luta dos trabalhadores continuaria pelos anos subseqüentes passando pela intervenção sindical do governo Vargas, pelos conflitos entre integralistas e comunistas na cidade, por melhores condições de moradia e de trabalho, demonstrando o quanto o tema operário ainda pode contribuir para um novo caminho na história da cidade.



História do Movimento Operário e Sindical em Petrópolis

O movimento sindical pós-30 entra num novo momento de sua história, em que o Estado orientado por Vargas incidirá com veemência sobre o movimento colocando-o sob sua tutela. Os sindicatos que a partir disso não entrassem na oficialidade do Estado passariam a ser alvo de forte repressão e intervenção como aconteceu depois da lei de Segurança Nacional em 1935. Os Comunistas ainda resistiam, mas com a lei e o fracasso da Intentona Comunista - Novembro de 35 -, a resistência ficou quase impossível devido a grande repressão.
A questão social no pós-30 passou a ser considerada como uma das mais importantes políticas do governo Vargas. Tinha início, portanto, a ideia de que o Estado teria desencadeado um processo de políticas sociais e trabalhistas doando-as aos trabalhadores. E assim, somente os trabalhadores “legalmente” sindicalizados teriam acesso a esses direitos o que era sinônimo de cidadania no Estado autoritário. A classe trabalhadora, cooptada pelo Estado, perdia sua autonomia resultando numa submissão política.
As leis trabalhistas estavam sendo reconhecidas pelos trabalhadores e, nessa perspectiva, o governo era visto como o principal responsável pelas conquistas da classe, o Estado benefactor ( Luís Werneck Vianna. Liberalismo e Sindicato no Brasil. RJ, Paz e Terra. 1978.) construía a idéia de ter agido generosamente. Nesta lógica simbólica, o Estado procurava apresentar-se para a classe trabalhadora como uma autoridade benevolente, no entanto, oculto à essa lógica simbólica, estaria um lado social dominante que pressupunha uma retribuição na forma de respeito e submissão à figura do chefe da nação.
Em dezembro de 1941, entra no Ministério do Trabalho, Alexandre Marcondes Filho que a partir de então começa a atuar na propaganda do governo. As questões trabalhistas passariam a ser privilegiadas tentando um estreitamento de laços entre Estado e o movimento operário.
Uma atenção muito grande foi dada à propaganda do regime. Em 37 surgiu o Departamento de Imprensa e Propaganda, e a partir deste, foi criada a revista Cultura Política que serviria de debate entre o Estado Novo e a questão social, e tinha o objetivo de esclarecer ao público as transformações que ocorriam na sociedade brasileira.
Os discursos políticos do pós-37, orientavam-se para a grande importância que era a fundação de um Estado verdadeiramente nacional. Os acontecimentos de 37 abriam a possibilidade de transformação da sociedade em relação à economia, política e social do país. Assim, o momento político que desencadeara este processo, estaria na “Revolução” de 1930 porque na ótica dos estado-novistas, estaria começando neste momento uma nova História do Brasil. A sociedade brasileira na primeira República era vista como um momento de desordem e decomposição do país, e em 30, esta sociedade havia sido inserida num novo momento de ordem. “Uma etapa de verdadeira constituição de uma nova ordem política”[1].
A propaganda do regime tornava-se cada vez mais de grande relevância. O ministro Marcondes Filho divulgava suas palestras através do rádio, da imprensa e outros meios que atingissem o grande público. A legislação trabalhista era o principal tema, e, segundo o discurso oficial, por não ter sido conquistada através da luta dos trabalhadores e sim outorgada pelo Estado, era necessário sua divulgação que acontecia pela rádio Mauá, programa A Hora do Brasil, programa Falando aos Trabalhadores Brasileiros e na revista Cultura Política. A partir do Estado Novo, a figura de Vargas começou a ser projetada como a de um grande líder nacional, e nos discursos do ministro - principal responsável pela construção do mito -, o presidente possuía muitas qualidades, em especial a clarividência que o distinguia como o grande estadista.
A construção do trabalhador brasileiro enquanto cidadão era outro ponto importante na política do Estado Novo. O verdadeiro cidadão-trabalhador deveria ser despido de qualquer conteúdo negativo, colaborando para o desenvolvimento social. Trabalhar era, sobretudo, um meio de servir à pátria, e a desocupação seria um crime contra o Estado. A partir disso, iniciou-se um processo de exaltação do trabalhador brasileiro, tentando-se resolver as questões de imigração estrangeira e êxodo rural. Por outro lado, o Estado Nacional visava também construir um sentido estético de ordenação onde até na arte popular isto surtia efeitos. O principal tema cantado nos sambas populares começava a ser combatido. O elogio à malandragem e a visão do trabalho como um penoso sofrimento no cancioneiro popular, levou o Estado a tomar iniciativas e controlar também o campo da arte.
Quanto ao movimento sindical, o Ministério do Trabalho começava a penetrar nos sindicatos e transformá-los num dispensador de benefícios, tornando um pólo de atração para os trabalhadores. Os sindicatos passavam a ser mais assistencialistas e dessa forma não promovendo um espírito de luta política e social. O sindicalismo corporativista era defendido pelo Estado para a ampliação da cidadania do trabalhador, fechando assim qualquer via de autonomia.
Petrópolis, cidade serrana do estado do Rio de Janeiro, obteve projeção nacional a partir da segunda metade do século XIX, período conhecido na História brasileira como Segundo Reinado. Nessa época temos a presença marcante da família real e do Imperador D. Pedro II que via na cidade um ambiente de clima agradável, distante da turbulência, das febres, epidemias e do verão escaldante do Rio de Janeiro, então capital do Império. A partir daí, outras famílias de nobres e aristocratas foram atraídas para a região, formando um verdadeiro séquito atrás da família real e que passaram a influenciar diretamente na composição social e cultural da cidade.
Entretanto, um pouco antes desse momento de ocupação e formação da sociedade petropolitana, temos os destinos da localidade, que posteriormente seria elevada politicamente ao título de cidade de Petrópolis em 1857, muito ligados ainda ao período colonial e ao Imperador D. Pedro I.
Na realidade, já no século XVII, devido à necessidade de uma ligação segura e direta por terra firme, entre o Porto do Rio de Janeiro e Minas Gerais,  nasceu a ideia de se construir o Caminho Novo, atravessando a Serra do Mar, passando por Pati do Alferes e Marcos da Costa, isto em 1698.
Era o “Caminho do Ouro” ou “Caminho dos Mineiros” que atingia nossa região pelo Alto da Serra - hoje bairro do mesmo nome - descia acompanhando o rio Palatino até nossa atual Estação Rodoviária, seguindo rumo ao interior pela atual Silva Jardim, sempre acompanhando o Vale do Piabanha, até alcançar a região onde fica Corrêas.
Em relação ao Imperador, foi este que, ao empreender viagens até a região das Minas Gerais e também para que sua filha, a princesa D. Paula, pudesse passar o verão a conselho médico, hospedava-se na fazenda do Padre Corrêa. D. Pedro I com interesse de montar um palácio de verão comprou a Fazenda do Córrego Seco em 1830. Em 1843, pelo decreto de número 155, D. Pedro II funda a localidade de Petrópolis tendo o Major e engenheiro Júlio Frederico Koeler como a figura central no planejamento de uma nova cidade.
Na segunda metade do século XIX, o Brasil ainda é um país fortemente agrário-exportador com mão-de-obra predominantemente escrava. Aos poucos, devido às pressões do imperialismo inglês no país com interesses em adquirir maiores mercados consumidores desde o início do século, o trabalho escravo passa a sofrer golpes com as leis abolicionistas, embora este ainda tenha resistido por muito tempo. A liberação da mão-de-obra cativa para um trabalhador livre e assalariado, juntamente com a entrada de imigrantes, forma condições para que haja uma mudança na mentalidade empresarial da época. O capital, antes investido na compra de negros escravos, agora começa a ser direcionado para atividades industriais interessada no trabalhador livre e assalariado, obrigado a submeter-se às regras e condições de trabalho de uma incipiente burguesia industrial.
Na mesma época, começa a se formar uma classe de trabalhadores operários das indústrias têxteis instaladas na região. Com a expansão industrial também tiveram início os problemas de exploração do trabalhador, que procurou formar canais de luta diante de suas condições de trabalho, da relação entre empregadores e empregados e como os trabalhadores da cidade se mobilizaram frente o processo de acumulação capitalista, iniciado em Petrópolis com as primeiras indústrias têxteis. Sendo a cidade um dos principais pólos têxteis da região no início do século XX, tendo concentrado grande massa de trabalhadores urbanos provenientes tanto da própria cidade como de outras regiões e até mesmo países, certamente poderemos observar a existência de organizações voltadas para o interesse coletivo das categorias presentes no início da formação do movimento operário petropolitano. 


[1] Gomes, Angela de Castro. A Invenção do Trabalhismo. p.179


A intervenção sindical de Vargas em Petrópolis

Durante a Primeira República (1889 – 1930) o país viu surgir e se formar uma classe operária capaz de se organizar e buscar alternativas às condições de instabilidade a qual estavam submetidos. Foram anos essenciais para a construção de uma identidade coletiva e de luta por direitos sociais. Há algum tempo que a historiografia brasileira considera a Primeira República como um período essencial na formação da consciência organizacional dos trabalhadores. Período em que os trabalhadores pressionaram o Estado e a classe patronal no intuito de conseguirem mudanças. Segundo Ângela de Castro Gomes (Cidadania e Direitos do Trabalho, 2002), “É preciso ter clareza de que o período da Primeira República não foi o de um vazio organizacional, durante a qual a população desconhecesse formas de associação e luta por direitos.”
A partir de 1930, mais precisamente em 3 de outubro, os destinos do Brasil passaram a seguir outro rumo com a chamada Revolução de 30. O fato marcava o fim da hegemonia das oligarquias cafeeiras no cenário político nacional sem, contudo, alterar a base econômica na qual o país se assentava.
Daí em diante, alterações nas relações de trabalho entre Estado, trabalhadores e patrões serão verificadas ano após ano. Uma das primeiras atitudes do Governo Provisório foi a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o “Ministério da Revolução”, em novembro de 1930. Em 1931 passa a vigorar o Decreto 19.770, atrelando os sindicatos à órbita do Estado. A lei de sindicalização tinha por objetivo combater associações independentes e os sindicalistas que pudessem articular manifestações contrárias ao projeto do governo. O impacto desta política intervencionista em Petrópolis foi bastante sentido nos anos 30. Em 25/01/1934, a “Coluna Trabalhista” da Tribuna de Petrópolis assim noticiou a recém sancionada lei de férias: “Duas leis importantes foram agora sancionadas pelo chefe do Governo Provisório: a que regula o trabalho nas emprezas de transportes terrestres e a que concede férias aos que trabalham nas industrias. (...)
Aos trabalhadores, portanto, quer do commercio, quer da indústria, para entrarem no gozo desses direitos, cabe, antes de mais nada, ingressarem nos respectivso synducatos de classe e immediatamente requererem suas cadernetas profissionaes... sendo imprescindivis as duas coisas: ser syndicalizado e possuir carteira”
Os direitos sociais aqui aparecem atrelados às obrigações políticas instituídas pelo governo, que passou a atrair os trabalhadores para os sindicatos oficiais. Com isso, Vargas, ao mesmo tempo em que apresentava à sociedade o benefício da lei de férias formalizando-a com a anotação na carteira de trabalho, acabava conseguindo alguma adesão dos trabalhadores aos sindicatos controlados. O governo mostrava sua preocupação em estar junto às massas trabalhadoras na intenção de esclarecer seu projeto trabalhista e mostrar como os trabalhadores alcançariam os benefícios da legislação sem, contudo, falar em intervenção. Nesse caso, Petrópolis era de extrema importância na agenda do governo, pois o presidente mantivera a tradição de veraneio e a cidade tinha um dos maiores contingentes operário do estado. Vemos aqui um trecho do discurso com o qual foi recebido o prof. Joaquim Pimenta do ministério do trabalho, em 23 de junho de 1931, publicado pelo periódico de Cascatinha em julho de 1931.
“Exmo. Snr. Professor Joaquim Pimenta. Meus prezados senhores: o momento é de júbilo e ansiedade.
De júbilo, porque temos entre nós a figura conspícua de um patriota a seguir a sábia orientação... que o novo governo imprime ao sério problema das classes trabalhadoras...
O momento dizíamos é igualmente de ansiedade, porquanto traz-nos o nosso ilustre visitante ... a orientação prática, sábia e salutar dos nossos deveres.
... Armado do facho da razão..., o operariado cascatinhense confia em sua excelência que nos trará as mais proveitosas luzes para o alto desígnio da sindicalização das classes trabalhadoras...”
Deste pequeno trecho podemos perceber alguns fatores a respeito do impacto da nova política entre os trabalhadores e de que forma lidaram com a situação. O autor do discurso, um líder dos trabalhadores de Cascatinha, fala em júbilo, mas também em ansiedade. Os trabalhadores sentem-se alegres pela presença de uma autoridade que dispensará alguma de sua atenção aos problemas da classe. Esperam a orientação do professor para que possam compreender o momento cheio de “inovações” nas relações de trabalho. A primeira vista, podemos interpretar como se os trabalhadores estivessem passivos a espera das mudanças conduzidas pelo governo. Seriam meros espectadores? Porém, o discurso fala também em ansiedade e daí depreende-se que os operários estão atentos e confiam nos esclarecimentos do professor. Esta confiança pressupõe que os trabalhadores pretendem também cobrar o cumprimento dos compromissos e, portanto, não há uma relação de passividade, estando a classe trabalhadora como mera espectadora dos fatos.
Contudo, a despeito da pressão pela sindicalização oficial, as associações conhecidas como independentes procuravam manter sua postura de combate ao projeto de Vargas. Na inauguração de sua coluna “Pelo Proletariado” o Jornal de Cascatinha, reconhece a existência e importância de sindicatos não tutelados em Petrópolis: “...esperamos o concurso de todos os syndicatos reconhecidos ou livres e do operariado em geral” . Porém, devido ao aumento da repressão a partir de 1935, tais associações não controladas passarão a enfrentar sérias dificuldades.


O Rio De Janeiro da Reforma Urbana: Resistência e Cultura na Nova Cidade

Com o fim do Império e a nascente República ainda débil em suas instituições, o país sofre transformações que marcam o início de uma pretendida modernidade tendo como modelo os costumes europeus, além da necessidade de uma urbanização que desse conta do fluxo capitalista. A partir do progresso industrial, ainda que lento, as classes médias urbanas crescem e, devido à economia agrário-exportadora, configura-se o poder da oligarquia cafeeira na política do Estado republicano. Ao “povão” e aos negros libertos não seriam destinados nem o acesso a terra e nem qualquer participação no mercado formal. Esses homens, portanto, passariam a conviver nas ruas e vielas das grandes cidades brasileiras sem alternativas para reordenação de suas vidas na sociedade a não ser aquelas criadas por eles mesmos.
O contexto histórico do Rio de Janeiro no momento da transição do Império para os primeiros anos da República constitui-se tanto no período de maior mudança política do país desde a Independência, quanto de algumas das maiores transformações da história da cidade. Estas puderam levá-la a uma nova realidade econômica, política, social, cultural e geográfica, na qual podemos observar uma complexa rede de relações entre os diversos grupos sociais, que iriam contribuir para a caracterização de um Rio de Janeiro cosmopolita e denominado moderno.
O Rio de Janeiro até a virada do século XX era uma cidade com feições geográficas do período colonial, imprópria para o desenvolvimento capitalista que avançava naquela fase. Suas ruas e vielas, mais particularmente do centro da cidade, exibiam a mesma configuração de que necessitavam nossos colonizadores do século XVI para a penetração do território e, posteriormente, a tentativa de interiorizar a metrópole. O antigo cais do Largo do Paço (atual Praça XV de Novembro) marcava o ponto de partida para o desconhecido e o chamado “sertão”, que já tinha início mais ou menos onde são hoje a Praça da República e o Campo de Santana. As pequenas ruas daquela parte que hoje chamamos de centro histórico como a do Ouvidor, da Assembleia e outras, foram abertas com o mesmo intuito: de expandir a cidade em direção ao interior em busca de terras, riquezas e fixação de colonos povoando, dessa forma, o território. Temos, então, tais ruas perpendiculares ao litoral, apontando em direção ao interior, cruzando a chamada “Rua Direita” (hoje 1º de Março), avançando a cidade adentro e levando consigo o desenvolvimento econômico e social próprio do período colonial.
Esta era a cidade que representava a colonização portuguesa, fruto do atraso, e precisava ser extirpada. Luiz Edmundo, um dos mais sagazes cronistas do Rio naquela época, dizia em seu ensaio O Rio de Janeiro do meu tempo:
“Cresceu o povoado sobre paues infectos... no quadro maravilhoso da natureza, a cidade é um tristíssimo contraste. Uma nodoa brutal na paisagem radiosa. A casa é feia. A rua e suja. O conjunto exaspera. Tudo conspira contra o povoado infeliz.”
E continua:
 “...Charles Ribaud (...)constata que a cidade trapenta se esforça, apenas, por arrancar-se do atraso e da imundice em que se encontra e que ele reconhece como sendo obra dos antigos dominadores, embora declarando o brasileiro cheio da maior ansiedade pelo progresso existente nas grandes cidades européias e prevendo transformações que, de tão grandes, espantarão a toda gente. O bonde surge em 1868, a República em 89 e, finalmente, Passos, o gênio reformador da cidade e dos nossos costumes, em 1903.”
Notamos então, dois tempos distintos na história da capital. Além de “reformar os costumes” o gênio criador do Prefeito e engenheiro Pereira Passos deveria modificar por completo as feições de uma cidade cheia de vielas imundas, apertadas que permitia aglomerações de populares podendo gerar a desordem. Dentre os quais, estavam os capoeiras, alvo principal da polícia, representantes de uma cultura negra, escrava e, portanto, atrasada, não condizente com a ideologia civilizatória de Ordem e Progresso Republicana. Podemos dizer que a proclamação da República, apenas nos primeiros anos, simbolizava um novo rumo tanto para a cidade como para o país. Entretanto, antes do final do século XIX, esta que deveria estar lado a lado com a cidadania, mostrou-se distante de seu propósito deixando de ser a res-publica (coisa pública) para se tornar, segundo José Murilo de Carvalho, cada vez mais o ambiente de uma res-privata.
Diante disso, pretendemos mostrar como as transformações ocorridas no espaço geográfico na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, entre 1903 e 1906, não conseguiram que grande parte das tradições culturais de caráter mais popular se deslocasse e restringisse seu desenvolvimento a localidades e em classes sociais específicas. Por outro lado, discutir também que a tão pretendida civilização não viera para todos e a grande massa da população resistiu à tentativa, por parte do governo, de imposição a um novo projeto comprometido com valores muito mais europeus do que brasileiros. Evidentemente que tais espaços geográficos passaram a existir com características marcantes após as mudanças verificadas no período subsequente à reforma urbana, porém, o contato entre grupos sociais diversos continuou a existir demonstrando a heterogeneidade da população carioca.
A reforma urbana, o bota-abaixo, a modernização e civilização da cidade enfocando a sociedade européia que fez surgir a belle époque carioca e reorganização do espaço geográfico do Rio de Janeiro, ajudou a formar novos territórios de grupos marginalizados, “subterrâneos” à política oficial, mas não conseguiu impedir que se forjassem novas realidades sociais e culturais cada vez mais ricas e que esta cultura popular subterrânea pudesse sobressair em meio a uma cultura de elite. Os populares excluídos da participação política e do espaço da cidade utilizavam-se de formas alternativas em sua expressão cultural. A formação de áreas suburbanas e a desapropriação de centenas de famílias para a abertura da Avenida Central ajudaram a engrossar um contingente de pessoas que não tinham onde morar, mas que precisavam ser deslocadas para regiões distantes do centro, levando consigo suas tradições. Herdeiros da “barbárie”, a população marginalizada que vivia no centro do Rio e corria da polícia na época do carnaval, era alvo do preconceito das classes dominantes que não admitiam as manifestações das camadas populares por serem incompatíveis com a ideologia do progresso.
Entretanto, a cidade do Rio apresentava um vasto mundo de participação popular e territórios nos quais se podia encontrar a gentinha miúda. Tais expressões de territoralidade certamente configuravam-se em repúblicas menores dentro de uma República oficial, oligárquica, voltada para os interesses do capitalismo moderno e valores burgueses importados da Europa. Tais espaços de socialização podiam ser encontrados nas festas populares como a da Penha e da Glória, nas colônias de imigrantes portugueses e de outras localidades, na Pequena África – a casa da Tia Ciata - localizada no bairro da Saúde onde se reuniam os criadores do samba carioca e nos cortiços espalhados pela cidade dentre os quais, o Cabeça de Porco, aquele de Botafogo imortalizado na obra de Aluízio Azevedo.
Para a historiadora Rachel Soihet, a popularidade da Festa da Penha, proveniente do período colonial, aumentava em toda cidade tendo seus reflexos observados nos jornais da época e na opinião pública. No momento em que o Rio de Janeiro se “modernizava” no qual as tradições e a arquitetura colonial, exemplos do atraso, deveriam ser apagadas dando lugar a largas avenidas e ambientes com feições europeias, uma festa como a da Penha era vista por muitos como algo desordeiro e contraditório para o Rio de Janeiro dos tempos civilizados. O preconceito era explícito no pensamento da burguesia da época que via na festa um ritual capaz de reunir famílias distintas, porém tendo na “gentinha miúda da cidade” o grosso da presença.
A festa da Penha, no entanto, reunia pessoas de várias partes do Rio de Janeiro, inclusive estrangeiros residentes na cidade. Uma presença em especial era a da comunidade negra baiana com suas barracas reunindo muita gente em torno das rodas de samba. Para a autora, uma festa desse tipo, como objeto de estudo da História cultural, revela uma rede de relações sociais capaz de conduzir o pesquisador a uma realidade mais profunda privilegiando atores sociais outrora negligenciados. Percebemos que, em vários momentos históricos, as lutas sociais, aconteceram de diferentes formas além das organizações políticas dos trabalhadores.
Na análise do antropólogo Hermano Vianna, o encontro entre a elite e o povo era algo que ocorria de maneira bem informal entre os mais diferentes lugares da cidade. No cerne deste mistério, de acordo com Vianna, está o encontro de Gilberto Freyre (representando a elite) e a turma de Pixinguinha (o povo) construindo, a partir daí, um mundo heterogêneo de influências provenientes de ambos os lados. Tal processo, entretanto, tem início já na belle époque devido a um grupo de intelectuais que manifestava um acentuado gosto pelas “coisas do Brasil”, uma condição para o modernismo dos anos vinte. Tal situação fez com que personagens das camadas populares como poetas, músicos e cantores tivessem cada vez mais a admiração em festas nos principais salões da cidade até o palácio do Catete.
As contribuições de Marx no que diz respeito ao conceito de classe e seu papel de agente na história fundam, de certa forma, a tradição de os historiadores atentarem para o movimento das massas e a história que elas produzem. A luta de classes levou os historiadores a perceberem a resistência, o pensamento e as criações próprias de uma população que ainda hoje é vista por alguns como pano de fundo para a história da classe dominante. Por outro lado, Marx centrou-se em movimentos onde as massas engajaram-se politicamente através de associações preocupadas com a classe em si. Não previra que, apesar dos sindicatos e outras organizações de classe, existia uma população excluída que também produzia sua própria história embora numa organização diferente.
A discussão que tentamos travar anteriormente pôde mostrar que ao mesmo tempo em que o homem cria identidade com o local em que vive, seus valores e comportamento o leva a se relacionar em diferentes espaços. Entendemos que o espaço geográfico é resultado da ação humana através do trabalho, formado pela materialidade, como também por um conjunto de relações culturais, políticas e ideológicas. Sendo assim, o contato social torna-se dinâmico no sentido os homens expõem sua cultura e sua carga simbólica de valores independentemente de onde vivem. Determinadas manifestações culturais podem ter surgido, historicamente, em locais específicos e criadas por este ou outro segmento social, mas, dizer que seu constante desenvolvimento estaria condicionado àquele espaço é algo que suscita dúvidas. Portanto, verificamos que assim como o governo do prefeito Pereira Passos na capital da República no início do século XX, o projeto de modernização e reorganização do espaço geográfico da cidade do Rio era apoiado diretamente pelo Presidente Rodrigues Alves e pela parcela elitizada da sociedade carioca. Os interesses desses com a grande maioria da população tornaram-se logo conflituoso, na medida em que este último grupo viu-se obrigado a seguir uma série de condutas, regras e códigos de posturas, além de ter suas moradias demolidas, sendo obrigados e se deslocar para regiões mais afastadas. Contudo, o interesse de “civilizar” os costumes não impediu que as tradições culturais e as formas de comportamento da maioria fossem esmagadas pelos escombros da velha cidade.

Referências Bibliográficas:
Carvalho, José Murilo de. Os Bestializados. SP, Cia das Letras, 1987.
Edmundo, Luiz. O Rio de Janeiro do meu tempo. RJ, imprensa nacional. 1938.
Neves, Margarida. Brasil, Acertai Vossos Ponteiros. RJ, 1991.
Soihet, Rachel. A subversão pelo riso. RJ, Fundação Getúlio Vargas.
VIANNA, Hermano. O MISTÉRIO DO SAMBA. Rio de Janeiro, Zahar, 1995.


O Iluminismo como Negócio. Robert Darnton.


Robert Darnton, historiador norte-americano, conhecido do público brasileiro sobretudo pela publicação de O grande massacre dos gatos (Graal, 1986), é professor de História Européia na Universidade Princeton. Ainda como estudante interessa-se por Literatura e Filosofia, mas muda seu ramo de estudo para a História Social, pois acredita que estaria entrando em contato mais sólido com o universo humano. O autor é especialista em pesquisas sobre a França do século XVIII sobre a qual já dedicou questões relativas ao papel dos intelectuais; a difusão da palavra impressa (livros, jornais etc.) e a opinião pública como uma força na criação de uma nova civilização democrática. Em 1968 começa lecionar em Princeton, nos Estados Unidos, para onde leva um novo curso sobre a “História das Mentalidades”, algo que fazia grande sucesso na França. Ministra a cadeira juntamente com Clifford Geertz, antropólogo famoso, de quem obteve muita influência.
A tradição das Luzes além de ter deixado todo um legado de como buscar o conhecimento sobre o mundo através do pensamento científico e uma nova concepção filosófica acerca do homem e da História criou, também, dentre muitas outras, a obra que pode ser considerada seu maior símbolo: a Enciclopédia, de Diderot e D’Alembert. Evidentemente que, a partir do século XV e XVI, o uso da razão e a observação empírica da realidade como instrumento de entendimento das coisas do mundo, já havia abalado todo o edifício da filosofia natural tradicional existente desde o período medieval, por uma renovação da idéia de verdade e o surgimento de um tipo de ciência voltada para a racionalização do pensamento. Entretanto, com as Luzes o pensamento racionalista consolidar-se-ia de tal forma que seus filósofos sentiram-se à vontade para desqualificar por completo a “verdade” tradicional dos livros sagrados, inclusive de maneira irônica.
Ao nos concentrarmos na análise do texto de Robert Darnton sobre a história da publicação da Enciclopédia, entre 1755 e 1800, somos levados a conhecer uma face desta grandiosa obra do século XVIII somente revelada através de um olhar cultural sobre a História, privilegiando atores outrora negligenciados: os editores, os tipógrafos e os trabalhadores. Segundo Darnton, a publicação da Enciclopédia foi considerada pelos editores da época como o maior empreendimento da história editorial, levando a mesma a atingir um grande número de leitores e tornando-se a materialização do Iluminismo. O esforço de divulgação da obra, principalmente as edições no formato in-quarto, alcançou outros continentes na segunda metade do XVIII. O autor observa que este formato, in-quarto, era a forma como a maior parte dos livros era produzida na época e dá atenção ao tipo de material com os quais eram feitos. Naquele período, dava-se muita importância ao aspecto físico das obras e à consistência do papel, demonstrando que os livros não eram somente obra dos escritores e filósofos, mas também o trabalho dos trapeiros que buscavam pelo linho usado pela burguesia o qual seria usado para a confecção das páginas: eram o produto do trabalho dos homens comuns, trabalhadores das tipografias e os burgueses com quem tinham conflitos de classe e negociavam seus empregos. Diante disso, Darnton nos revela o “mundo das idéias”, uma história vinda dos “de baixo” e o mundo do trabalho muitas vezes escondido pela historiografia onde tanto os trapeiros, tipógrafos, os trabalhadores das prensas, quanto os filósofos e negociantes desempenharam um papel de corpo e alma da Enciclopédia.
Outros personagens de relevância no estudo de Darnton são os editores e anunciantes, pois nos dão uma idéia de como o texto da obra era levado ao público. Nas edições mais populares da Enciclopédia, o autor demonstra que os editores reformulavam o texto de acordo com seus interesses. Tais “empresários das idéias”, bons capitalistas que eram, adulteravam o texto original dos filósofos a fim de ter um alcance comercial maior. Dessa forma, os editores, assim como os anunciantes, não se sentiam responsáveis em manter o público bem informado já que reduziam as páginas das obras com pouco critério, da mesma maneira que a publicidade consistia numa série de meias-verdades, promessas que não podiam ser cumpridas inclusive em edições falsificadas da famosa Enciclopédia.
Naquela época, demonstra Darnton, não havia ainda a noção do autor como dono da obra, ou seja, os direitos autorais do mundo de hoje. Existiam também cópias clandestinas freqüentes, havendo uma concorrência desleal sobre os editores. Podemos, assim, indagar se os famosos escritos daquela geração, bem como de outros autores em outras partes do mundo, nos chegaram incólumes à interferência de pessoas ligadas ao comércio e produção das obras. Muito das idéias contidas nos famosos escritos do século das Luzes podem não corresponder completamente ao que o autor quis dizer. Talvez não estaríamos exagerando em considerar uma parte delas como falsas.
Ao ler os anúncios enganosos sobre a Enciclopédia como documentos históricos, Darnton nos dá pistas para perceber como os editores atraíam os consumidores dizendo que estavam adquirindo uma obra completa com o conhecimento moderno e uma síntese da filosofia contemporânea. Na verdade, tanto os editores quanto os próprios autores queriam identificar a Enciclopédia como um manifesto do Iluminismo e uma obra de conhecimento revelando, da mesma forma, o modismo literário ao qual ela foi associada: a philosophie.
A obra, entretanto, não chegaria a todos de forma linear. Porém, com o declínio do preço, ela teve um maior alcance, mas estamos falando ainda de uma sociedade com muitos analfabetos o que limitaria a leitura da Enciclopédia. Segundo Darnton, ela atingiu principalmente cidades antigas onde haviam se estabelecido ricas instituições eclesiásticas de fins da Idade Média, demonstrando que foi o setor tradicional (padres, nobres) que mais se interessou pela obra, não a burguesia comercial a quem é atribuída a Revolução Francesa. Houve uma mudança no modo de pensar antes dos problemas econômicos que desencadeariam o processo revolucionário.
A difusão de idéias numa sociedade é algo complexo e o Iluminismo acabou tendo maior receptividade entre as elites da França no século XVIII. Nem todos tinham condições de comprar as edições da Enciclopédia e, assim, a grande maioria ficaria intocada pelas Luzes num ambiente cultural principalmente de transmissão oral, havendo também muitos iletrados. A famosa obra do século XVIII era um luxo inacessível para as massas camponesas que viviam em aldeias e áreas rurais. Sendo assim, a maioria da sociedade francesa setecentista permaneceu nas “sombras”; fora do alcance das Luzes. Dentre os privilegiados, os que mais consumiam as obras eram membros das elites. A burguesia comercial não tinha interesse na literatura das Luzes, portanto, seguindo os passos de Darnton, entendemos que aqueles que fizeram a Revolução não foram os representantes desta burguesia comercial, mas uma burguesia ligada à aristocracia e ao Antigo Regime. As vítimas da Revolução foram os que mais consumiram as obras iluministas então, percebemos que as idéias iluministas não apontam para um projeto político, mas mudaram primeiramente um sistema de valores, as formas de ver o mundo e a cultura. O fato de a Enciclopédia ter se infiltrado na bourgeoise d’Ancien Regime pode ser explicado pelo fato dos filósofos terem interesse em conquistar as pessoas com maior influência e ter o apoio das ordens privilegiadas. Queriam mais o sucesso do que uma Revolução em si.
Em outro plano, o autor nos mostra como uma história dos livros no século XVII pôde ser feita através de novas fontes, como as correspondências entre os livreiros, contribuindo, do mesmo modo, para entender a difusão da Enciclopédia na Europa e até mesmo em outros continentes. Darnton também apresenta a face capitalista do ramo editorial que envolvia o suborno, extorsão e falsificação, além da sede de lucro entre os editores.
A difusão da Enciclopédia, entretanto, não esteve imune à perseguição do Estado na França. No entanto, os editores já tinham negócios grandiosos e ficava difícil operar na ilegalidade. Darnton nos remete ao fato de que foi preciso que os editores construíssem toda uma rede influências entre os funcionários do governo e as autoridades locais a fim de dar continuidade aos seus negócios. Em determinado momento, o Parlamento tornou-se o maior inimigo da difusão das obras iluministas enquanto o alto escalão do governo de Luís XVI chegou a simpatizar com a Enciclopédia. Nesse sentido, o autor enfatiza que o Estado francês e o iluminismo foram várias vezes interpretados como inimigos mas destaca que nos decênios finais do Antigo Regime houve uma proteção por parte do governo. A Enciclopédia, então, foi encarada pelos funcionários do monarca mais como uma mercadoria do que uma obra com posições ideológicas claras. Os editores souberam aproveitar do jogo de influências que adquiriram para usar a máquina do Estado e difundir mais ainda as obras.
No aspecto cultural, Darnton nos apresenta a Enciclopédia com um discurso de fundo que alterou a forma de entender o conhecimento privilegiando a razão. Foi este plano racional que atingiu a sociedade de ordens e suas formas de organização, provocando mudanças na mesma já que esta não era considerada racional e, dessa forma, a Enciclopédia provocou uma Revolução cultural em primeiro lugar. Para Darnton, o Iluminismo não tem muito a ver com a Revolução política já que parte da elite francesa já havia entendido que era preciso reformar o Estado francês. Com isso, as idéias iluministas não explicam toda a Revolução.
Para concluirmos, é interessante notar como o texto de Darnton elucida questões relevantes ao estudo histórico, pois coloca seu objeto de pesquisa diante de perguntas capazes de dar movimento ao debate historiográfico. O autor trabalha bem com métodos importantes para o historiador, como o privilégio que dá a fontes outrora negligenciadas, como o fez a escola dos Annales, que revelam mundos pouco observados em muitas pesquisas, combinando a História Social e Cultural acreditando ser possível reconstruir a estrutura completa de um mundo simbólico. Embora tendo que lidar com a escassez de fontes em alguns casos para se fazer uma historia da Enciclopédia, o autor conseguiu nos mostrar um mapa da difusão desta famosa obra do iluminismo, os principais agentes envolvidos, bem como desmistificar a Revolução de 1789 como o fruto somente das contradições econômicas e sendo o feito de uma burguesia comercial ávida por transformações sociais e políticas. Darnton não descarta por completo a questão econômica, no entanto, nos deixa a sensação de ter havido antes uma mudança de mentalidade e comportamento cultural da sociedade francesa pré-revolucionária no refinado século XVIII.

 BIBLIOGRAFIA

DARNTON, Robert. “Conclusão”. In: O Iluminismo como Negócio: História da publicação da Enciclopédia, 1775-1800. São Paulo, Cia das Letras, 1996.
Lippi, Lúcia. “Uma Entrevista com Darnton” Tradução de Lúcia Hippólito. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2 n. 4. 1989. 



O DONO DO CORPO

Dezembro, embora poucos saibam, é também o mês do Samba. O segundo dia do mês foi escolhido para celebrar esta música essencialmente carioca, mas que ao longo de sua história transformou-se no cartão de visitas de todo Brasil no mundo. Para entender esse processo transformação da música de uma região em um tipo de cultura nacional, seria preciso um ensaio com um olhar diferenciado em relação aos contextos históricos pelos quais o samba passou. Entretanto, o intuito destas linhas será o de buscar algo difícil de expor em palavras, mas que dá sentido e marca indelevelmente esta tradição, que fora preservado no seu interior desde os primórdios. Todo o artigo foi baseado num belo trabalho do estudioso do samba carioca, Muniz Sodré,  que coloca hipóteses surpreendentes a respeito da tradição negra, da construção rítmica e dos elementos que se fundiram para a eclosão de uma música que hoje pode representar muitos milhões nos grandes carnavais, como também um momento de “vingança festiva” (Roberto Da Mata) da classe trabalhadora sobre um ano inteiro de sofrimento. 
O terceiro elemento no momento em que se ouve uma música como o jazz, o blues ou o samba é o que faz dessa música algo de fascinante. Entre o ouvinte e a própria canção existe algo que completa esta interação e que, para Muniz Sodré, terá influência decisiva sobre as funções orgânicas humanas. A sincopa – ausência no compasso de um tempo fraco que repercute noutro tempo forte – atua de modo especial levando o ouvinte a preencher a cadência com o corpo. E este corpo atuante e presente na música, seria o mesmo que fora reprimido pela sociedade escravista em seus costumes e cultura.
A preservação da continuidade das manifestações culturais obrigou os negros a se adaptarem às tradições brancas servindo de tática para que pudessem expor sua própria condição. A música negra, então, começa a ter contribuições de outros elementos que seriam de grande relevância para a consolidação do samba carioca no século XX. As instituições religiosas foram também de grande importância ao reforçarem esta resistência na continuidade das forças culturais, assim como aqueles locais considerados como “reduto” dos sambistas onde acontecia o contato com outras classes sociais necessário ao trânsito na sociedade, como é o caso da residência de tia Ciata. Ali, não só tínhamos um centro de resistência dos batuques negros, como também uma negociação com a burguesia no sentido de poderem dar continuidade às festas. Em alguns casos, a elite mantinha contatos bem próximos nas reuniões de tia Ciata.
Para Muniz Sodré, o ritmo musical trazido da áfrica Ocidental é algo fundamental que contém uma temporalidade mítica, capaz de ser também cíclica. Este, portanto, transmite uma experiência capaz de ser recriada a todo instante promovendo a coletividade, chamando à participação, ao contrário da cultura capitalista individualista. Através da sincopa pressupondo a participação do grupo, o negro em tempos de escravidão infiltrou sua concepção temporal-cósmico-rítmica na música branca, tornando-a numa tática de falsa submissão já que aceitava a concepção harmônica européia, ao mesmo tempo em que a desestabilizava.
Num outro momento, a partir dos anos 20, o samba é inserido no mercado capitalista que privilegia uma esfera individualista e dicotômica por conta do mercado e da lógica industrial, não conhecida anteriormente na coletividade dos sambistas. A partir daí, a comercialização do samba ligar-se-ia ao projeto nacionalista dos meios intelectuais, que propunham a valorização dos elementos nacionais e a busca de uma música popular brasileira. “A música negra, que tinha preservado suas matrizes rítmicas através de um longo processo de continuidade e resistência culturais, passou a ser considerada fonte geradora de significações nacionalistas” (Muniz Sodré, p. 39).
O samba, enquanto dono do corpo, seria uma manifestação coletiva e que não teria vínculos com as regras do sistema em sua produção, ou seja, o individualismo do mercado. Sendo assim, temos uma música extremamente caracterizada pela esfera do coletivo. Seguindo as tradições culturais das tribos africanas ocidentais, numa roda de samba todos fazem parte do espetáculo, não sendo uma música recebida passivamente numa sala de concertos sob os olhares da platéia. Simplesmente não existe platéia. São todos elementos indispensáveis na elaboração de uma obra na qual o resultado não poderia ser outro: Tudo acaba em samba.  
Para saber mais: Sodré, Muniz. Samba, o dono do corpo. Mauad ed., 1998.



Desfile de Corso no centro do Rio de Janeiro.


Breve História do Samba Carioca

A virada do século XIX para o XX na maioria das grandes cidades brasileiras da época marcou de forma indelével seus habitantes de um modo especial. O crescimento urbano bem como o frenético contato com outras tradições culturais proporcionadas pelo aumento populacional, fizeram com que aquelas pessoas extrapolassem a sensação de modernidade. O Rio de Janeiro, em especial, capitaneava tal condição por inúmeras razões, mas entre elas, por ser a capital da República e por presenciar a enorme reforma urbana do prefeito Pereira Passos (1902-1906). Pelas ruas falava-se em “vertigem” na tentativa de explicar a sensação de rápida passagem do tempo.
Foi nesse contexto que surge o samba carioca. Na época, diversas tradições musicais estavam presentes na cidade do Rio de Janeiro como o lundú, maxixe, chorinho, valsa e tango, além do carnaval de rua, e seriam grandes influenciadores na formação do samba.
O Carnaval do final do séc. XIX concentrava, na rua do Ouvidor, o coração das comemorações. No alto das sacadas as famílias abastadas assistiam aos cortejos das sociedades carnavalescas, grupos de origem burguesa, que faziam crítica à sociedade e adotavam como lema o propósito de “civilizar” a plebe já que praticavam o verdadeiro cortejo como de Veneza ou Paris. Executavam marchas e óperas e pretendiam acabar com o entrudo, uma festa popular de origem portuguesa, além das brincadeiras de molhar, pintar o rosto e o zé pereira.
No clima de uma convivência tensa, o entrudo, as brincadeiras e o carnaval das sociedades burguesas dividiam o espaço público. Havia, dessa forma, uma convivência entre desiguais, algo que contribuirá decisivamente na formação do samba carioca. Mas o que é essa música essencialmente carioca que ao longo de sua história transformou-se no cartão de visitas de todo Brasil no mundo?
Segundo Roberto Moura (cineasta e autor de Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro), a tradição negra é trazida da África para a Bahia e da Bahia para o Rio no final do séc. XIX, onde se configura um tipo peculiar de música que será chamado de samba carioca.
Para Muniz Sodré no seu livro Samba, o dono do corpo, os “ingredientes” dessa música passam pelo negro e a cultura oral.
Contudo, desde o início da formação do samba podemos notar um constante contato entre os grupos sociais diversos. O preconceito das classes dominantes que não admitiam as manifestações das camadas populares por serem incompatíveis com a ideologia do progresso não invalidou o processo de miscigenação cultural. Mesmo depois da reforma urbana os populares excluídos da participação política e do espaço da cidade, se utilizavam de formas alternativas de expressão cultural como o carnaval e a festa da Penha.
Seguindo seu rumo, a história dessa música depara-se com uma de suas maiores polêmicas: a do “primeiro” samba. Pelo Telefone, uma articulação lundu/maxixe/samba, entrou para a história como o abre-alas dessa tradição. Outra questão é que foi seu verdadeiro autor. Pesquisas apontam para uma criação coletiva, tendo surgido na casa de tia Ciata (1916), onde muitos compositores freqüentavam as rodas de macumba.  Contudo, Donga anteviu as normas de adaptação da indústria cultural e registrou Pelo Telefone, tornando “autor” do discutível primeiro samba carioca. Do mesmo modo, o local de seu nascimento também suscita controvérsias. Estamos acostumados a ouvir dizer que o samba veio do morro, mas, na verdade, seu berço está na Praça Onze, no bairro do Estácio. Naquela época, segundo José Ramos Tinhorão, um dos primeiros morros a surgir foi o de Mangueira no qual existiam cerca de 50 barracos e nenhum compositor.
A partir dos anos vinte, o samba carioca começa a conquistar um espaço cada vez maior tanto nos meios populares quanto entre as elites. De acordo com o antropólogo Hermano Vianna, no final dessa década ocorre um “grande mistério”, já que se verifica a transformação do samba em ritmo nacional brasileiro e em elemento central para a definição da identidade nacional. Este passa de ritmo maldito à música nacional. Vários fatores, então, contribuem para isso. Entre eles está a valorização das “coisas brasileiras”, pelas quais os modernistas se encantam. Estamos, também, num período marcado pelo mercado em ritmo de revolução com a gravação elétrica e as rádios. A comercialização da música tornou-se comum, “O samba é igual a passarinho, é de quem pegar”, disse o sambista Sinhô. Noel Rosa e Cartola não tinham essa cultura do registro e preferiam vender seus sambas para Chico Alves, intérprete mais famoso da época, que enriqueceu. Entretanto, os compositores mais pobres viam na comercialização de seus sambas a oportunidade de ganhar algum dinheiro, tentando subverter sua condição e adquirir algum status na sociedade.
Assim, nos anos 30 o samba se torna nacional e música popular e as outras músicas, regionais. Com Getúlio Vargas no poder tem início um projeto de estímulo à criação de uma cultura nacional com a criação de mitos e símbolos, sendo o samba carioca o representante da identidade nacional. Ao mesmo tempo, inicia-se uma época de grandes carnavais na qual surgem as organizações de sambistas. Seguindo a tendência nacionalista, Pedro Ernesto, prefeito do Rio, a partir de 1932 oficializa o carnaval com temas e desfiles vinculados à história oficial do país.
A Era Vargas, então, marca profundamente a cultura nacional que serve de base para o jogo político. A partir de 1937 com a instituição do Estado Novo, Vargas começa a perseguir a malandragem e exaltar a figura do trabalhador. Encarna o papel do antimalandro e se torna o “trabalhador número um do Brasil”. Dessa forma, vemos que alguns compositores passam a exaltar o trabalho, mas muitos revelavam em suas letras o trabalho operário como um martírio, sacrifício em descompasso com a ideologia do trabalhismo. A melodia do malandro flutuava entre a orgia e a vida boêmia. Apreciavam a ociosidade, algo não compatível com o projeto do trabalhador parceiro do governo e feliz com a legislação recém criada.
Desse modo, o momento torna-se propício para o surgimento dos “sambas de exaltação” nos quais Ary Barroso é o seu maior representante. São sambas articulados com a ideologia nacionalista já que procuravam engrandecer a pátria, ressaltando suas qualidades e belezas naturais, passando a imagem do Brasil generoso, alegre, desfocado da ótica de qualquer conflito. Aquarela do Brasil é a poesia que representa bem esse momento.
Nos anos 50, o samba carioca começa a perder espaço devido, sobretudo, ao surgimento da bossa nova que se propõe como uma tendência musical baseada na releitura do próprio samba, muito influenciada pelo jazz norte-americano. Já nos anos 60 e 70, muitos sambistas considerados “de raiz” são redescobertos e com eles o samba revigora-se, sendo respeitado entre os meios intelectuais e na nova mpb em ebulição na época.
A música, então, continua seu caminho pela história capaz de se recriar e inovar, como também servindo de base para o entendimento social.





O Prazer da música e poesia em Vinícius de Moraes

Setembro de 2010

Às vezes me pergunto, para que serve a arte, a poesia, a música, manifestações de um espírito, da vontade de dizer coisas? Que espécie de prazer é esse que não podemos tocar com as mãos, nem podemos degustar com a boca? Mas já que são prazeres, mexem com nossos sentidos, afinal eles servem para isso, para serem perturbados pelas sensações e nos ajudarem a perceber melhor quem somos e de que forma conduzimos nossa vida.
Acredito que o poetinha tenha conseguido transitar muito bem pela arte de forma geral e nos mostrou, como outros também o fizeram, um caminho para ver a vida “do lado de fora”, a fim de podermos entendê-la ou apenas experimentá-la. Vinícius nos deu ferramentas simples e eficientes, nos deu as palavras que tanto gostaríamos de dizer e essa foi sua diferença. Podemos repeti-las e aqueles que nos ouvem através dele são capazes de se alimentarem e contribuir a uma vida mais bela.
Há quase três meses, em junho, Vinícius tornou-se Ministro de Primeira Classe da carreira diplomática, trinta anos após sua morte. Embora conhecido pelos versos, o poeta trabalhava no Ministério das Relações Exteriores e seguia a carreira diplomática, apesar do governo militar (1964-1985) torcer o nariz para esta condição, já que não o considerava um exemplo de funcionário por freqüentar a noite e ser visto constantemente cantando pelos bares com um bom copo de uísque (o melhor amigo do homem, o cachorro engarrafado, dizia). Vinícius foi aposentado compulsoriamente em 1968.
Mas antes de ser diplomata, Vinícius era poeta. Boêmio e apaixonado pela vida, pelas mulheres, passou esse espírito a seus amigos e à Bossa Nova. Teve muitos parceiros musicais, alguns muito mais jovens do que ele, outros jovens há mais tempo, e era do tipo acolhedor. Memoráveis eram suas festas, reuniões com amigos para tocar e cantar. Muitas delas aconteceram aqui, em Petrópolis, onde recebia amigos em sua residência de verão que ficava na Casa do Barão de Mauá. As viniçadas, como os amigos chamavam, começavam no final da tarde, de uma sábado qualquer, na confeitaria Copacabana de onde partiam para encontrar o poeta.
De família tradicional e classe média alta, Vinícius tem origem burguesa, nascido na zona sul do Rio em 1913. Estudou nos melhores colégios e formou-se em Direito em 1933. Sua vida poética começa na escola quando compõe suas primeiras músicas. Na década de 30 publica seu primeiro livro, O Caminho para a Distância (1933), seguido de Forma e Exegese (1935). A partir daí, muitos outros poemas são publicados e Vinícius circula entre os maiores intelectuais e escritores brasileiros como Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, entre outros.
A carreira musical de Vinícius é praticamente iniciada em 1956 quando conhece Antonio Carlos Jobim, a quem convida para fazer a parte musical de sua peça Orfeu da Conceição, encenada no Teatro Municipal. A partir daí, a poesia de Vinícius extrapola os meios intelectuais e passa a ser cantada pelo povo tendo como veículo a Bossa Nova. Conferiu lirismo à música brasileira, tinha uma poesia construída nos moldes do Romantismo e ao mesmo tempo sensual. Cantou a realidade assim como teve momentos de misticismo com os Afro-Sambas. Jogou entre a alegria e a melancolia. Enfim, celebrou a vida e cantou o amor como ninguém.
Vinicius de Moraes, ainda continua parceiro de Tom Jobim numa esquina de Ipanema. Abriu as portas para unir a poesia e a música. Inaugurou uma era, deitou sua poesia entre o erudito e o popular, mostrando que as barreiras eram apenas invenções.

Norton Ribeiro, graduado e pós-graduado em História pela UFF.